terça-feira, 29 de outubro de 2019

Crônicas no olhar - Ode à Plínio II

Crônicas no olhar
Ode à Plínio II
Fui espiar e Tonho dormia com um sorriso estampado por entre o nariz. Estava com as pernas descobertas e talvez sentisse frio. Fui lá e puxei com meus bons dentes e o cobri, mas como sou um pouco desastrado, deixei um pé de fora. Tonho está precisando de meias. Se eu me deparar com um varal esticadinho e cheio de roupas, um par de meias vou procurar. Ele merece!
Amo Tonho como se fôssemos parte um do outro. Sabe aquela costelinha? Ele me protege, me abraça, conversa comigo, me afaga, me dá de beber e sempre algo pra comer. Às vezes, e muitas vezes, me dão de comer no mundo. Acho que devo ser bonitinho. Ou engraçado. Sei lá!
Ele está sorrindo mais agora. Acho que sonha.
Escuto vozes do lado de fora das tábuas. Papaizão deve já estar tomando um bolinha de pinga. Ah, eu não sei pronunciar o nome daquilo. Alguma coisa "tinha". Papaizão não é viciado, não fica bêbado e nem cai por aí afora. Tenho por mim que ele bebe para enfrentar a vida. Na Balalaika, a carroça, sempre tem uma bolinha lá. Quando acaba a bebida ele lava e me dá para jogar ou afiar meus caninos. Depois ele vende. Ah , e ele ama demais o Tonho. É tão bonito. Nós três. Somos uma família doriana que não tem margarina.
Papaizão fala sozinho.
Mas acho que ele fala com a mãe de Tonho, que eu não conheci. Ele sempre chora. Eu vou lá e ele me agradece as lambidas.
Hoje eu sou o guardião do café da manhã do meu amigo. Tem um pão aqui enrolado num saquinho rosa desses de feira. E um suco amarelo em cima do outro caixote.
Por um instante eu coxilei e acordei:
_ Tó um pedaçinho Paco.
_ Abocanhei sorrindo que eu já estava com um ronquinho aqui ó.
Tonho me deu um beijo e um afago e comeu.
Tinha uma carinha de desamparo. Acho que ele queria ir pra escola.
Papaizão nos chamou com a Balalaika já pronta, ele sorriu, nos chamou, abraçou Tonho e disse.
_Hoje já garantimos o almoço. Vamos para a janta?
E fomos.
Vejo uma sombra com dois reis e um príncipe de rabo.
Parece até um sonho.
Mas não é não.

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