terça-feira, 29 de outubro de 2019

Crônicas no olhar -Tem página arrancada sim

Crônicas no olhar
Tem página arrancada sim.
Eu sou um cara curioso!
Por onde passo, observo tudo, olho roupas, cabelos, combinações, sapatos, escuto e presto atenção em conversas, prédios sempre me atraem e passageiros de carros ou coletivos. São, para mim, oásis num deserto moderno chamado cidade. E tem em todo lugar. Que diacho de oásis múltiplo!
Tenho percebido os diversos livros que, nos coletivos, o "povo" consome. Eu tenho a nítida certeza que muitos escritores se inspiram em películas de cinema para nomear suas obras. Tenho visto assim há um "batalhão" de tempo.
Tem um tal de Motorola, que deve ser algo como Mad Max, cheio de carros e motos em alta velocidade. Tombos e quedas. Daí as motos que rolam. Motorola fica mais cinema! Título. Assim: "Motorola". Básico.
Samsung deve ser um filme para ganhar o Oscar, quase como aquele dos avatares. Samsung deve ser sobre essa espécie. Será que são azuis? Daí seria plágio. Livro lindo.
LG é inspirado na Marvel. Esse herói deve ser galã; tenho essa impressão.
Vi um certo I phone. Disque M para matar; tenho absoluta certeza sintética.
Esses escritores modernos são valiosos pra xuxu.
Acreditem vocês que, dia desses, um desavisado entrou com um aparelho de telefone celular chamado "O Mahabharata" no coletivo e todo mundo saiu de perto.
Achei que iam desembarcar, mas que nada, estancaram em pontos diversos dentro do coletivo.
Um senhorzinho bonito de jaleco xadrez em verde musgo que estava sentado, balbuciou:
"...ai que saudades eu tenho da Caminho Suave."
E sorriu, mexendo os grisalhos bigodes.

Observações - Liso

Quem nasce pra ser margarina.
Sebo tem.
Seboso é.

Crônicas no olhar - Ode à Plínio II

Crônicas no olhar
Ode à Plínio II
Fui espiar e Tonho dormia com um sorriso estampado por entre o nariz. Estava com as pernas descobertas e talvez sentisse frio. Fui lá e puxei com meus bons dentes e o cobri, mas como sou um pouco desastrado, deixei um pé de fora. Tonho está precisando de meias. Se eu me deparar com um varal esticadinho e cheio de roupas, um par de meias vou procurar. Ele merece!
Amo Tonho como se fôssemos parte um do outro. Sabe aquela costelinha? Ele me protege, me abraça, conversa comigo, me afaga, me dá de beber e sempre algo pra comer. Às vezes, e muitas vezes, me dão de comer no mundo. Acho que devo ser bonitinho. Ou engraçado. Sei lá!
Ele está sorrindo mais agora. Acho que sonha.
Escuto vozes do lado de fora das tábuas. Papaizão deve já estar tomando um bolinha de pinga. Ah, eu não sei pronunciar o nome daquilo. Alguma coisa "tinha". Papaizão não é viciado, não fica bêbado e nem cai por aí afora. Tenho por mim que ele bebe para enfrentar a vida. Na Balalaika, a carroça, sempre tem uma bolinha lá. Quando acaba a bebida ele lava e me dá para jogar ou afiar meus caninos. Depois ele vende. Ah , e ele ama demais o Tonho. É tão bonito. Nós três. Somos uma família doriana que não tem margarina.
Papaizão fala sozinho.
Mas acho que ele fala com a mãe de Tonho, que eu não conheci. Ele sempre chora. Eu vou lá e ele me agradece as lambidas.
Hoje eu sou o guardião do café da manhã do meu amigo. Tem um pão aqui enrolado num saquinho rosa desses de feira. E um suco amarelo em cima do outro caixote.
Por um instante eu coxilei e acordei:
_ Tó um pedaçinho Paco.
_ Abocanhei sorrindo que eu já estava com um ronquinho aqui ó.
Tonho me deu um beijo e um afago e comeu.
Tinha uma carinha de desamparo. Acho que ele queria ir pra escola.
Papaizão nos chamou com a Balalaika já pronta, ele sorriu, nos chamou, abraçou Tonho e disse.
_Hoje já garantimos o almoço. Vamos para a janta?
E fomos.
Vejo uma sombra com dois reis e um príncipe de rabo.
Parece até um sonho.
Mas não é não.

Observações - Mestres e cia.

Tenho comigo as lembranças e os ensinamentos dos meus melhores parceiros: meus professores.
Com muitos, incentivos tive.
Com diversos , aprendi a ter discernimento.
Com alguns, sorri gostoso.
Com vários tive medo, amor e amizade.
Com poucos, aprendi a não fazer igual.
E todos foram importantes para mim.

Crônicas no olhar - Ode à Plínio I

Crônicas no olhar
Ode à Plínio I



Tonho acordou numa cama enorme, com colchas felpudas e quentes, o travesseiro era desses grandões, que você abraça como uma mamãe acalentando o sono.

Seus lindos olhos jabuticaba enxergavam o sol entrando pelas frestas da grande janela com cortinas limpas, como se fossem raios espaciais de filmes de marcianos. Na mesinha frutas, pão, leite e Toddy. Tinha Danone também. Tinha cheiro de mamãe no ar. Mamãe galinha!
"Mamãe, a senhora tá tão bonita! Estou sem frio hoje. Parece que meus pés estão num forninho com essas meias. Tão lindas as meias do Mickey. Que pijama bom. Estou até com vontade de sorrir. Bom dia!
Tonho levantou, um tapete emborrachado recebeu os pezinhos à la Mickey e foi para o banheiro. A vontade de fazer xixi era dolorida e seus dentinhos clamavam por uma escovinha macia. Água morna também. Tonho, por um momento, teve uma nevralgia dental mental. Descarga!
Comeu e saboreou todos os alimentos sem pudor, como, na cabeça dele com seus 7 anos, toda criança deveria fazer. Espreguiçou!
Foi até a janela e observou o horizonte azulzinho, ilustrando a imensidão e a generosidade de um mundo bastante grande. Virou e pediu um abraço à sua mãe. Apertadinho!
Abraço dado, ele se deitou novamente, com um sorriso gostoso no rosto.
_Acorda Tonho! - uma voz grave.
Seus olhos pretos se abriram e sentiu frio. Não havia Mickey. Não haviam meias, cobertor felpudo, cama ou horizonte.
Na mesa farta, um pãozinho amanhecido num saquinho colorido, não tinha leite, nem Toddy, nem mamãe. Nem mesa tinha, o saquinho repousava no chão ao lado de Paco, seu cão.
Um guardião do pão!
_ Sonhou de novo filho?
_ Sonhei pai, só isso!
_ Como foi?
_ Uma mentira. Paco, "tó" um pedacinho. Onde vamos hoje?
_ Tentar viver, filho!
E na carroça de carcaça de geladeira, papelões para o almoço.
No horizonte, a sombra de três. Um com rabo e dois sem.

Conversas do cotidiano - Onde?

Conversas do cotidiano
Onde?


A avenida Paulista em São Paulo é um marco da capital. Recheada de locais para se comer, comprar, passear, andar. Mobilidade tem pra todo tipo: patinete, metrô, taxi, tênis, bicicletas amarelas ou não, ônibus. E a diversidade nem se fala. Entre ternos e bermudas, há música no ar; entre prédios e esquinas, faróis; entre Homens, incertezas e certezas.
Sentei-me num canteiro próximo a Rua Augusta para observar visto que esse é um dos meus maiores entretenimentos depois que abandonei os fones de ouvido.
Ao meu lado, em pé, um rapaz bonitinho, com uma camisa xadrez azul, barbinha rala, estufadinho, com jeans passado e vincado conversa com uma garota moderna aparentemente, cabelos rosados com um tintura que não pegou o cabelo todo, piercing no nariz, sem batom, sobrancelhas feias, um macaquinho esquisito.
Rapaz - Ah, não quero almoçar lá porque vai estar todo mundo do escritório. Não sei. O que você acha?
Moça - Qualquer lugar que eu estou é com fome.
Rapaz - Eu também. Chega até dói. Mas aguentar as piadinhas do Ricardo nem pensar. Quero paz!
Moça- Rereré.
Uma senhora se aproxima, batom vermelho sangrento, vestindo blusa e calças bem cortadas, simpática.
Senhora - Por favor, onde fica o Center Norte?
Rapaz - Ali do outro lado, naquele lugar fica o Center 3. Não é Center 3?
Moça - (sorrisinho)
Senhora - Ah, é verdade. Center Norte é na zona leste.
Moça - Zona Norte!
Rapaz - Rereré.
Senhora - Ai, é verdade. Eu trabalhei aqui, mas já faz tempo, está tudo mudado. Um monte de gente, uns cabelos coloridos, homens de mãos dadas, quanto camelô, estou até perdida.
Moça (percebendo que seu cabelo era rosa) - É....
Rapaz - A senhora pode atravessar por ali, atrás da banca de jornal.
Senhora - Banca de jornal nada. É um supermercado. Vende até azulejo. Ah, muito obrigado viu.
E saiu elegante com sua bolsinha caramelo.
Moça - Vamos no "meque" então.
Rapaz - Melhor que as piadas do Ricardo. Bora.
Um senhor se aproxima de mim e pergunta:
Senhor - Por favor, onde fica a Oscar Porto?
Eu - Oi?
Senhor - A Oscar Porto. A rua.
Eu - Oscar Freire?
Senhor - Isso. Confundi.
Eu - Muita gente né? Desce por aqui.
Senhor - Muito obrigado.
(E ele foi pelo lado oposto que falei).
Eu fiquei pensando - Alice no país das Maravilhas é fichinha.
Que dia lindo!

Recortes da vida - abundada

Pelas lentes embaçadas por um suor dançante, a mulher enxerga o trem ao longe. Logo um surto intermediário entre o cérebro e a respiração a acelera. Ela corre. Nos braços gordos, sacolas verdes de plástico do Armarinhos Fernando. Imensas e cheias de sei lá o quê , coisas que se compra e não se mede o preço e nem o tamanho. E nem a necessidade.

Arfando, esbarra as sacolas numa senhorinha de saias longas que caminha desavisada, a qual chama Jesus; um jovem cabeludo observa e ri silenciosamente. O trem já está maior ao olhar quando ela chega nas escadas. Escolhe a rolante porém, caminha sobre ela esbarrando e bufando para uma mocinha arrumadinha, bonitinha, de rosinha, encalculada numa conversinha bizarrinha no seu celularzinho com capinha da Betty Boop. Sinal para as portas fecharem soa como um sopapo para a mulher. Ela acelera, uma sacola rasga, enxerga-se um monte de pessoas na porta e a poucos passos dá um rompante de 180 graus e uma severa bundada com polegadas Marta Rocha adentra o vagão, sem antes atingir um homem lendo um livro de auto ajuda, em cheio no pinto. "Tomates verdes fritos". O homem resmunga, fecha o livro e curte sua dor.

A porta se fecha e a mulher procura um cúmplice pelo desmanzelo. Ela transpira e molha a testa. Está plena!

Um grito e do lado de fora o cabeludo segura algo. Separando eles, uma porta fechada e o movimento.

"_ Ah, o carrinho do meu neto."
Fiquei comovido, eu acho!

Sem antes perceber que o carrinho era do tamanho da minha perna.

Observações - Calhordice

Se finge que não me conhece,
Tenho certeza que é embrulho e não presente.
Se finge que não me conhece.
Tenho certeza que não é presente, é embrulho.

Observações - Coach

O que você faz da vida?
- coach nenhuma!

Crônicas no olhar - Memórias

Crônicas no olhar
Memórias
Um dia criança fui, adolescente fui, adulto sou, orgulhoso serei: da memória que me preenche a prancheta desta simples cabeça.
Aos sábados pela manhã de kichute amarrado na canela sem meia, com um short curto, bermuda nem pensar, ia até o campinho de futebol improvisado numa praça rala de grama, bater um bolinha, quase um futebol. Quem perdia, tinha o ônus de pagar a bateria de 4 ou 5 garrafas de tubaina ou laranjada de garrafa escura para todos os jogadores - suados, felizes e encantados com o sabor tão gostoso do simples refrigerante. No balcão do boteco tinham ovos coloridos numa estufa: amarelos ou rosas? Será que era a mesma técnica usada para os carneirinhos de fotografia em suas carrocinhas cafonas? Falando em carrocinhas, escondiamos os cachorros quando aquela porcaria adentrava o bairro. Até pedra eu já joguei. Uma cor bege horrorosa, nunca saiu da minha memória os cachorros se debatendo presos pelo pescoço. Que horror!
À tarde, depois do almoço em pratos "pirex"ou de alumínio, saborosos, íamos estecar as bolinhas de gude multicoloridas e as maiores eram simbologia de troféus. Ou o pião de madeira rodando com a fieira esticada. Ou a capucheta de jornal notícias populares falando do bebê diabo ou do homem grávido. Esses também poderiam virar "galinha choca" quando tinha fogueira na rua. Uma espécie de mini balão amassado. Encantador! Ah, e tinha bate-bag, io-io da Coca-cola, álbum de figurinhas de chapinha ou papel ou mesmo do chiclete Ping Pong com os jogadores da copa do mundo. E os chicletes Ploc, bala banda, bala de leite kids, bala Soft, todas no baleiro redondo da venda. Onde expostos ficavam suspiros coloridos, tetas de nega, gibis, biriba, bananas de copinho. O homem do quebra-queixo passava no final da tarde, mas nem sempre tínhamos dinheiro para comprar. Na venda ainda tinha Gini, Crush, Pepsi e Seven-up. Ou coca cola de garrafa pequena.
Na televisão em tubo, às vezes podia ser colorido, mas nem sempre,desfilavam os personagens do Sítio do Pica pau amarelo com suas histórias tão ricas, folclóricas, Caco e os Muppets, os filmes de ação, como Perdidos no espaço, o Elo perdido, Os pioneiros, Daniel Boone, entre muitos.
Na escola cantava-se o Hino Nacional com mão no peito ou ao lado do corpo, vigiados pelo bedel. A gente sabia o hino de cor. Tinha aula de religião, estudos sociais, moral e cívica, medo da professora e paquerinhas encruadas e divisão da lancheira. Educação física com short azul para os meninos e saia branca para as meninas. Só para diferenciar, não para julgar.
Fiquei fortinho tomando calcigenol e biotônico Fontoura e curei febres com Melhoral. Para vermes - Ascaridil.
O tempo e a memória passam mas muita coisa fica.
Outro dia lembrei que no meu primeiro beijo deu um frisante na boca. Não suei. Nem sei o que senti. Se tivesse um Dipn'lik ali, naquele instante, eu tinha molhado o pirulito no pozinho para me safar.
Mas não tinha.
Bendita seja a memória que alimenta o saber.
Hoje beijo e quero mais!

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Crônicas no olhar - Avaliação

Crônicas no olhar
Avaliação
Juan sempre se achou o cara perfeito. Quase bonito, bem vestido, pele boa, sorriso pôr do sol, falava bem.
Solteiro por opção, despistou muitos corações acelerados de mocinhas erroneamente apaixonadas. Não era sua praia se amarrar.
Tinha muitas curtidas nas suas redes sociais, em fotos produzidas para encantar, as postagens tinham até cheiro para quem deslizava seus dedinhos sobre elas.
Juan se achava o cara!
Maria se achava feia. Dentro das suas conquistas, nada lhe agradava. Não teve sorte no coração, poucos sorrisos, suas roupas vinham num cinza outonal. Maquiagem nem pensar. Vivia a dirigir seu Ford Ka, cinza, na profissão que pôde exercer depois da demissão do escritório de engenharia: motorista de aplicativo. Falava pouco mesmo. Escondia-se. Tinha imenso pavor à avaliação de sua profissão. Uma estrela em 4 a fazia chorar. Copiosamente. E então, comia.
E naquela tarde chuvosa o encontro anunciado por um sentido milimetricamente desmantelado aconteceu. Juan e Maria estavam sob o mesmo teto metalizado e o silêncio era rei. Ele a olhava e pensava o quão desastrada ela era, não tinha nem voz, cabelão. E ela desprezava sua camisa com cavalinho lateral e cabelo coladinho.
A conversa foi pequenina, em sílabas. As inquietações foram enormes, construções.
No rádio tocava uma música americana com gritos exagerados, desenhando como um risco de eletrocardiograma, duas vidas distantes. Um farol em três fases ilustrava uma distância. Chovia. Havia educação, não havia comunhão.
A música acabou e cedeu lugar à falação de algum radialista canastrão.
Juan sentiu um comichão no peito e Maria queria pressa.
Batendo a porta com força, Juan desceu com sapatos de camurça azul marinho tocando o chão e Maria agradeceu sem encarar.
Recebeu três estrelas de avaliação e chorou. Chorou. Não quis compreender.
E comeu.
Um romance.

Observações - Pulga

Uma pulga no cobertor nos faz perceber o tamanho da cama.

Conversas do cotidiano - Equívocos

Conversas do cotidiano
Equívocos
Duas moçoilas, bonitas, com mochilas encrustadas nas costas largas, dessas que riem de qualquer coisa com uma risadinha assim meio tapioca sem recheio, são felizes sem nada dever à alguém.
Amigas, conversam enquanto caminham à passos curtos em direção ao trem metropolitano dessa megalópole chamada São Paulo e carinhosamente apelidada de Paulicéia desvairada de mil e uma expressões.
Moça 1 - Menina, sabe aquele "all star" vermelho que eu tenho? Menina, acho que ele quer me suicidar. Acredita que sexta-feira eu caí quatro vezes com ele?
Moça 2 - Mentira!
Moça 1 - Sério! Não sei como não morri. Foi na balada. Acho que ele já está velho.
Moça 2 - Macumba! Só pode ser. Sexta-feira, vermelho. Sei não
Aí tem!
Moça 1 - Credo! Nem pensei nisso, mas faz sentido. Achei tão estranho porque eu não caio.
Moça 2 - (risadinha) Eu caio sempre. Sou desengonçada mesmo.(sem perceber que a mochila estava na cara de uma ruivinha de fone de ouvido atrás dela e que achava a mochila na cara normal)
Moça 1 - Mas quem faria macumba pra mim?
Moça 2 - As inimigas, "miga". Eu fico esperta.
Moça 1 - (um silêncio pensativo) Você viu o show do Bon Jovi?
Moça 2 - E eu ia perder? Nunca. Me acabei. Cheguei morta em casa.
Moça 1 - Você gosta, né ?
Moça 2 - Adoro. Ah, que fila demorada. Todo dia essa bosta.
Moça 1 - Relaxa. (Silêncio)
Acho que vou jogar fora?
Moça 2 - O quê?
Moça 1 - O "All Star".
Moça 2 - Compra outro. "All star" é vida.
E a fila andou e nos perdemos na multidão. Ainda deu tempo de ver a ruivinha ajeitando os fones de ouvido. Não eram "Bluetooth".

Conversas do cotidiano - Hora do Almoço

Conversas do cotidiano
Hora do almoço
Eu, solitário na minha sala de terapia corporal, dou vazão ao meu sentido de escuta. Como eu já não gosto de escutar...
Ao lado fica uma turma de pessoas, entre homens e mulheres, uns jovens e outros nem tanto. Falam de tudo o tempo inteiro, mas o que mais chama a audácia do escritório é que falam muito de comer - um dos sete pecados capitais? Ou não....
De vez em vez, escuto "pérolas".
Voz 1 - Ah, onde vamos hoje? Comer.
Voz 2 - Tô com gana de comer ave.
Voz 3 - Ai ai, não consigo encontrar o e-mail?
Voz 1 - Ah não, se eu comer pato eu choro. Vou pensar nele e não vou aguentar.
Vozes ao fundo - /@/@^#_#^#*
Voz 4 - Sério Solange? Mas você come frango.
Voz 2 - E muito. Pratão.
Voz 3 - Achei!
Voz 1 - Frango é diferente.
Vozes ao fundo - €%÷€÷£$;
Voz 2 - Tá! Então vamos mudar o bicho.
Voz 4 - Diferente onde? Tem asas e bicos.
Voz 1 - Achou? Onde vamos?
Voz 3 - Achei o e-mail do Otávio.
Vozes ao fundo - $@=×/÷_
Voz 1 - Que tal chuleta?
Voz 4 - Você não vai chorar né?
Voz 1 - Não! Adoro carne de boi.
Voz 3 - Gente, o Otávio não me mandou a porra do cronograma.
Vozes ao fundo - #&÷€=£$; $
Voz 4 - Você é descarada mesmo. Fala que chora com o pato mas mata o boi.
Voz 1 - Não mato ninguém. Só vou comer.
Voz 2 - Pare para pensar: Se você come carne, você não combate a morte do boi.
Vozes ao fundo: ×€÷/@€+
Voz 1 - Gente, baixou o Cortella. Pára. Só quero almoçar.
Voz 3 - Otávio filho de uma figa.
Voz 2 - Eu também.
Voz 4 - Eu também.
Voz 3 - Eu trouxe comida. Frango.
Vozes ao fundo- *(*((*&÷^#£×&$₩÷&÷^÷£÷^@&÷£÷;#(×*÷¥÷(×)÷¥
E foi se fazendo um silêncio com o abafar dos saltos altos e andares desmiolados.
E eu também fui almoçar. Não era pato. Era vagem!

Conversas do cotidiano - Tempo

Conversas do cotidiano
Tempo
Apoiado no "pole dance" matinal, escuto, atrás de mim, um sotaque nordestino com erros medonhos de português, vindo de uma conversa de um homem e uma mulher.
Homem - Ele estava lá, parado como sempre.
Mulher - 62 anos ele vai fazer. Eu quando vou no "shop", desço no Campo Limpo não no Capão. Não vou nesse "shop"."Shop" ruim, não tem nada.
Homem - Hum Hum
Mulher - Ele não sai da "ara". Fica lá com aquele "relójo" "véio", "fédorento", "pequenino". "Se" vai "comprá" um "relójo" novo pra ele?
Homem - Quero.
Mulher - Tem uns "grandi". 200 real! No "Shop" tem. Bem bonitão. Ó.
Homem - Qual shopping?
Mulher - Campo Limpo.
Homem - Tu não disse que lá não tem nada?
Mulher - Eta diacho, que calor da peste. Relójo tem. Você entra, aí vira, sobe a escada, escada estreita, feia, vira e vai pra frente, fica lá no fundo, perto de uma loja.
Homem - Hum hum
Neste momento, fui despertado por uma mulher que descobrira o cadarço do seu tênis desamarrado e queria amarrar no meio do metrô cheio. Gritava:
- Desgraça, desgraça.
Ps: Não gosto dessa palavra. E que fique claro, que não estou caçoando de ninguém por falar errado. É só a vida como ela é naquele momento.

Crônicas no olhar - Aniversário

Aniversário

Desde muito cedo, ele não entendia nada sobre fazer aniversário. Também pudera! As condições financeiras não davam para festas ou grandes comemorações com bolo, balão e brigadeiros. Nem sorrisos de pupilos pulando ao som de músicas...infantis.
As comemorações desse tipo só eram conhecidas quando amigos o convidava. Daí os pequenos olhos pretos viravam jabuticabas suculentas frente ao banquete simples e colorido.
Veio a adolescência e o entendimento sobre a vida foi se fortalecendo. As festas ainda não eram presentes, mas a essência da data de se fazer aniversário era mais clara. Já se comia, bolo e brigadeiro, mas os balões... Não eram ainda necessários.

Ele se divertia sorrindo e comendo bolo "Pullman", aquele com a faquinha para cortar. Sabor laranja.
Um dia, combinou com amigos do colégio uma festa noturna numa "danceteria! para brindar e celebrar. Seus olhos se encheram de ternura e felicidade, afinal amigos e uma comemoração seria ideal para celebrar o tal aniversário. Talvez teriam balões. Não! Não teve. Não foi ninguém.
Adulto, envolvido em mil situações, o pensamento desastroso acerca dos balões, bolos e afins, deu espaço para ombros chacoalhando em lateral e simultâneos. Ah, os fortalecidos ombros, vizinho do escudeiro trapézio, protetor do esterno - o berço do coração. E agora até sorria mais das mazelas de datas importantes. "Importante é toda data" virou mantra.
Mas percebeu que o dia de aniversário é um celebrar, um celebrar da vida.
Pode ter bolo, balões, brigadeiro, salgadinhos e balas brancas de coco envolvidos e papel com cabelinhos. Pode ter chapéu com elástico, refrigerante, língua de sogra e palmas efusivas. Pode ter presença, cor, música, fervor.
Ou nada disso...
Só lembranças...
E sua existência.

Observações - O assassinato da língua

Observações 
O assassinato da língua

"Miga, o meu Crush é um boy stylist. Não tô mais na bad."
Tradução:
"Amiga, o meu paquera é um gato. Não estou mais triste.
Assassinaram o camarão!
Digo, a língua portuguesa.

Crônicas no olhar - Efeitos

Efeitos

Joana era um exemplo!
Um exemplo que ela mesma criou. Desde adolescente aprontava poucas e boas colocando em conflito os amigos, os inimigos ou quem quer que fosse. Não importava. Se Joana achasse que poderia pisar, pisava mesmo sem dor alguma.
Cresceu, aos prantos de muitos.
Estudou, para se prevalecer.
Conseguiu posições nas mais refinadas organizações. Era um ícone. Que ela mesma criou.
Para cada cargo conquistado, pessoas não importavam.
"A supremacia do poder é um oásis que vou ter", resmungava para os poucos que a ouviam na Universidade.
Como toda obstinação, o fato se concretizara: Joana tornou-se diretora de uma multinacional. Temida por muitos por sua capacidade de aniquilar qualquer um a sua frente, não casou, não tinha família (os pais morreram num acidente de avião que invadiu a cidade na hora do "rush"), amigos não existiam, nem gato, cachorro ou papagaio. Ela era única. Que ela mesma criou.
De tanto trabalhar, a estafa chegou e seu corpo alertou - disse o médico desprezado pela exponencial mulher.
Um dia muito quente em Barcelona, sozinha, numa pequena viagem de férias (não é que ela tirou 10 dias), ela queimava de calor, então arrendou, por uma boa quantia, uma latinha de um certo refrigerante. Para refrescar.
Tudo foi ficando cinza, com metade da lata, um desmaio. Aproveitando a ousadia do desmaio, sua bolsa foi capturada por alguém qualquer.
Joana acordou num Hospital em Barcelona sem identidade. Ninguém a conhecia e no seu leito uma etiqueta branca com dizeres em caneta: desconhecida.
Os enfermeiros disseram que ela teve uma crise renal e ela não se lembrava do real nome porque batera a cabeça na queda. Acusou os enfermeiros de roubarem sua bolsa. Ficou nervosa.
Em horas seu coração parou. Na Espanha.
Não havia alguém que a conhecesse.
Não haviam pertences.
Não havia história.
Havia uma história que ela criou.
E acabara.
Ali.

Poesia minha - Papel Higiênico

Papel higiênico
Eu cpmofo
Tu Cpmfazes
Ele cpmf
Nós cpmfudemos
Vós cpmfez
Eles ganham!


Conversas do cotidiano - Quem?

Conversas do cotidiano
Quem?

Estava sentado em uma cadeira de uma festa, eu e Manu, minha dog-parceira, que descansava seu corpo pequeno e desenhado sobre meus braços. Ao meu lado, senta uma mulher (1) em seus quarenta e poucos anos, calculo eu, e uma amiga à tiracolo (2). Essa na mesma faixa etária , mais magra, com uma sapatilha horrorosa no pé que realçava pela calça "legging" curta, um arquinho no cabelo estilo anos 70 "flower power".
Uma moça negra (3) ostentando um sorriso escancarado e encantador se aproxima com um bebê no colo, igualmente lindo.
Mulher 1 - Puta que o pariu. Como ela é linda! (Pegando no meu braço e se direcionando para Mulher 3)
Mulher 3 (fez uma cara que denotava um certo "desconfiar", me olhou e seu olhar confidenciou) - O que ela falou? (Fala silenciosa apenas)
Mulher 1 - Como você pode ser tão bonita?
Mulher 2 (Não sabia se ria ou se comia o que visse pela frente)
Mulher 3 (desconfiando que aquilo fosse uma cantada) - 15 anos com meu marido que está lá dentro.
Mulher 1 - 15 anos? O seu macho tem 15 anos?
Mulher 2 se serviu de uma linguiça do churrasco. Mordeu com cara de Rosemary, a cantora.
(Eu com olhos e ouvidos atentos e Manu grunhiu, o bebê esboçou um chorinho)
Mulher 3 - Isso. Eu tenho 31 e ele 38. 15 anos juntos.
Mulher 1 (aficcionada com a pseudo descoberta imaginária dela) - Caracas você tem um filho de 15 anos?
Mulher 2 riu com a boca escancarada cheia de linguiça, o arquinho jazia para trás, a Rosemary já estava quase uma Janis Joplin; Manu grunhiu de novo. O bebê estava quietinho.
Mulher 3 - Não!! 15 anos de casamento.
Mulher 1 - Ah, entendi. Porque o meu tem 22.
Mulher 3 - O casamento?
Mulher 1 - Não! O meu macho.
Mulher 3 dá uma risadinha, olha pra mim, desconforto, avista uma taça de Chopps e sai em sua direção como uma fuga;
Mulher 1(me achando cúmplice) - Ela é linda!
Mulher 2 limpava a calça curta com mãos engorduradas da linguiça e ria pra si mesmo.
Eu falando baixinho para Manu - Tá dormindo?

Conversas do cotidiano - Casal

Conversas do cotidiano

Casal

Manhã posterior de uma noite chuvosa cheia de percalços na terra da garoa. Como uma procissão de fiéis em busca dos seus tostões, todos seguimos a marcha rumo ao nossos Olimpos. Quer dizer...
Entra um casal, supostamente casados; denuncia uma grossa aliança dourada nos dedos quase bonitos da mão esquerda de ambos. Um presente de algum dos pais. Pode ser.
Lado a lado, eles se posicionam à minha frente
Lembrei de uma tela de cinema ou um palco italiano de teatro.
A trilha sonora é o zum-zum do metrô. A luz aberta, geral. Atmosfera. Ele está todo de preto, um guarda-chuva pequeno na mão, barbudinho, alter ego do carinha da "Trivago", só que mais parrudo e menos vivo. Ela é laquê misturado com um "seda" simples, base no rosto alternando com um batom vermelho e rímel. Roupas estampadas e uma bolsa qualquer.
Como numa partitura exaustivamente ensaiada, eles sacam seus celulares e entram em estado neutro através de séries ou redes sociais.
Ela, com sorriso estilo "Monalisa" - Se chover hoje, passa no escritório.
Ele, sem movimento algum - Mmmmm.
(Silêncio, respiração em todos os lados)
Ela, depois de algum tempo - Essa série é muito boa.
Ele - Mmmmm.
Ela - Você acredita que ontem uma menina tirou os sapatos perto de mim e subiu aquele cheiro de salgadinhos "Elma Chips"?
Ele, sem tirar o guarda-chuva do sovaco e o olhar do Android - Essas coisas só acontecem com você.
Ela - Mmmmmm.
Absorto na cena, lembrei de Ionesco e sua "A cantora careca" e essa tal comunicação e nem percebi que já era meu destino.
Ele - Bom trabalho. (Parecia uma central de atendimento)
Ela - Hã Hã.
Ele desceu e eu atrás dele, em direção aos trens. Ela ficou, sentou-se e achou graça em alguma cena da série, esboçando um sorriso solitário. Ele caminhando de fone no ouvido nem percebeu seu amor sumindo no vagão e um olhar não correspondido.
"Que curioso!"
Voz: Moço que trem eu pego pra Osasco? - simpaticamente, uma guria de rabo de cavalo me indagava.
Eu respondi e segui satisfeito com o teatro da vida real que acabava de assistir e fui...em direção ao Olimpo.
"Tomara, à noitinha, o casal dê um beijinho".