sábado, 26 de março de 2016

Kultme 29 - Guilherme Vidal e um pedaço de mim


Guilherme Vidal e um pedaço de mim


guilherme

Estava deitado no sofá, talvez incomodado com a programação parca da TV aberta, quando toca o meu mensageiro do celular e uma mensagem me dá um susto: “Preciso te ligar agora, posso?”, do meu amigo Renato Lembo, parceiro da Cia Cafonas & Bokomokos por longos e divertidos anos. Em poucos minutos, soube que perdi meu amigo, diretor, incentivador, parceiro de conquistas e não conquistas, risos e tristezas – Guilherme Vidal! Vítima de um infarto fulminante com pouco mais de 50 anos, ocorrido no Studio 21, o mesmo espaço que eu e meus amigos cafonas construímos muitos espetáculos. Como dizia Maísa – “Meu mundo caiu…” O Cafonas & Bokomokos era orquestrado por ele por longos 16 anos. 
Conto aqui um pedaço da minha história com esse mestre. Para mim meu maior incentivador. Um Homem que manjava de humor como qualquer outro, que respeitava o público acima de tudo, que aprendia e escrevia para os atores que, com ele, dividiam a sala de ensaio, que exigia sempre mais porque sempre podemos  mais, que pouco gargalhava das cenas, mas saboreava com um gostoso sorriso no rosto, que nos ensinou a deixar camarim limpo, um professor dedicado que gostava dos alunos acima de tudo (ele dividia conosco os trabalhos realizados na ETEC ou no Cacá), um parceiro teatral que me ajudou a enxergar o mundo melhor. 
Meu primeiro contato com Guilherme, foi através de um flyer sobre um tal “curso de humor – um curso diferente”, depositado timidamente num balcão do Centro Cultural São Paulo, no ano 2000. Estudante iniciante de teatro, decidi conhecer esse tal curso de perto. Fui recebido muito entusiasticamente por ele e por todos ali presentes. Foi um encontro muito intenso. Ganhei convites para assistir ao espetáculo “O clichê do Amor”, da Cia, que estava em cartaz no Teatro Dias Gomes, em São Paulo. “Vá ver, e se interessar, você volta”. Fui, amei a agilidade do elenco, do jogo teatral dos atores, da energia que vinha dali e do humor. Claro que voltei e seis meses depois já estava no elenco de “O Clichê do Amor” e ator da Cia, a convite dele mesmo. Começava aí, o período mais charmoso da minha carreira. A cada dia era um novo encontro com o conhecimento e muitas teorias eram redimensionadas. As sessões de improviso me fizeram rejuvenescer! 
clichedoamor2Ele me proporcionou conhecer meus amigos de palco. Muitas foram as situações que nos jogou no espaço cênico e a gente não sabia o que fazer e acabávamos sendo dirigidos por ele e as descobertas eram de uma grande delicadeza. Isso! Guilherme Vidal era detentor de uma sensibilidade incrível. Raramente ele errava na mão. Nós, atores, às vezes, não entendíamos. E na hora da peça, tudo funcionava como ele pensava.  “Confiem em mim!”, ele dizia sempre. Nós confiávamos! E tudo dava certo. 
Nestes 16 anos, da minha existência na cia, participei de vários espetáculos: O clichê do amor, A Mulher perdeu a pose, Além do Constrangedor!, Quero um filho teu!, Siga-me!  Shake à go go, A Sorte do Personagem, O Bumerangue do Amor, As Três Patetas (não com a Cia), Expresso Hamlet e Expresso Hamlet Reloaded. Lembrando que várias peças tiveram remontagens. A mim foi dado, de presente, vários personagens – “ Já fui Juarez, Nenete, Luiz Toledo, Wanderleia, Gilberto, Ofélia, Hamlet, anônimo, transeunte, entre outros. E fui feliz! Meus personagens agradecem a passagem Gui!
Isso sem contar que a pesquisa musical de todos espetáculos era dele, a trilha sonora feita, era operada por ele. Nosso DJ teatral.
Tenho várias lembranças de como éramos tratados nos points teatrais de São Paulo. Éramos tratados  da forma como não tratávamos as pessoas que nos procuravam. Era um desdém pelos nossos projetos. Eu ficava triste. Ele sempre dizia: “Por isso que não gosto de depender disso, por isso faço o meu”. Infelizmente, recebemos muitos não, mas o pior é receber um não de alguém quem nem leu o projeto. Isto, pra mim, é preconceito! Voltávamos para o studio 21 e, ele sempre, preocupado, preparava um lanche e um café para os atores que chegariam mais tarde. E as balinhas não faltavam. Mas algumas casas nos receberam bem e daí recebemos nosso público com o carinho que sempre tivemos – Ao Teatro Plínio Marcos e ao Viga Espaço Cênico, nosso abraço.
Após o telefonema do Renato, tive a missão de avisar meus amigos de palco. Momento tenso! E me senti órfão. E a ficha demorou a cair e somente o tempo vai acalmar o pensar.
Vá Guilherme Vidal, Vá Gui, Vá Vidal! Faça os anjos sorrirem e rirem do ridículo da vida, porque aqui embaixo difundiremos os seus ensinamentos. O Teatro merece!

Obrigado




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Indicação
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  • bertaLivro para ler: BERTA LORAN: 90 Anos de Humor – Uma Homenagem ao Talento da Atriz por João Luiz Azevedo
O livro é apresentado como uma grande entrevista, contando passagens da vida, carreira e do cotidiano dessa atriz que tem o humor como base da sua carreira.

sábado, 12 de março de 2016

Poesia minha - Sumiu

Sumiu



o riso
o ombro
o rumo
o caráter
o vivo
o lúdico
o parceiro
o cochicho
o dorflex
o caminhar
o trabalhar
o teatrar
o fazer
o horizonte
o telefonema
o fonema
o amigo!

Kultme 28 - Omelete de definições sobre ser ator



Omelete de definições sobre ser ator

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Afinal de contas, que é ser ator, o que é o Ser Ator? O Homem, que faz do palco a sua casa e se transforma para transformar quem ali vai para vê-lo atuar, quem é ele, que é isso?
Pelos caminhos claros e ocultos por onde andei já me deparei com várias definições do menino(a) sempre lembrado(a) quando se fala no bardo inglês William Shakespeare. Para muitos o pai do teatro, para alguns um mero representante inglês com suas novelas recheadas de mocinhos e vilões.
Há quem ache que esse mocinho – o ator – é o “cara”, o responsável por fazer a história tomar corpo. É! Eu vejo assim também. O “modus operandi” é que irá fazer a diferença na criação e na interpretação, levando à representação. Ops, sem mandar eu tomar calmante porque usei a palavra representação! Para a contemporaneidade, essa palavra soa um tanto ultrapassada, segundo muitas línguas que desdobram o Teatro em mesas recheadas de bebidinhas geladas. Adoro discussão em mesa de bar sobre Teatro. Dou boas risadas e aprendo muito também.
Há quem ache que esse mocinho – o ator – é aquele rapazinho que quer pegar todas as meninas ou meninos e o fazer teatral é a mola de escape para isso. Há quem pense que ser ator é passaporte para TV. Mal sabe que o ator se distribui tanto para conseguir pagar o aluguel e que as coisas não caem tão fácil do céu. Se não estudar, até consegue, mas não persiste. Se não se jogar na criação, no palco, nas mãos dos diretores, nos livros, nos jogos teatrais, fica na mão! Na própria mão, que, em Teatro, não significa nada. Teatro precisa de várias mãos, nem que se tenha aquele magnífico monólogo famoso na pele daquela atriz famosa que fazia a novela famosa na rede de televisão famosa.
A fama não tem rigor. O sucesso é efêmero. O trabalho é árduo, prazeroso e unânime. E o Teatro é arte viva! Enganar-se é muito comum.
Há quem ache que esse mocinho – o ator – é um sujeito que não faz nada na vida.  As tias adoram dizer isso. Muitas famílias também. Vejo aqueles quadros de programas de auditório, onde se refaz a trajetória de determinado artista e os depoimentos são um barato, quase um esquete cômico: Sempre cheio de coisas positivas, mensagens de amor e abraços, sorrisos e choros. No real a quantidade de falta de grana, xingamentos e cobranças familiares são presença constante. A tia fala:
– Como você está sobrinho lindo?
_ Oi tia, sou ator! Vai ver meu espetáculo.
– Quando que você vai começar a trabalhar menino. Um moço tão bonito! Precisa ficar lindo para arrumar uma linda moça para casar!
– Tia, a senhora é uma fofa! (rs)
Esse diálogo já foi vivido por muitos atores. Talvez não exatamente dessa forma, porém, com esse olhar desqualificado que herdamos por aqui nessa terra brasílis. No mundo não sei…
Eu conheço atores ótimos, atores que são esforçados e acertam, outros que tentam acertar, mas demoram, atores que copiam, atores que não criam, atores carismáticos e fortes, outros carismáticos e fracos, muitos famosos fracos, muitos famosos fortes, outros desencanados e encantadores, outros encanados e encantadores, outros encanados e que ficam melhor ao longo da temporada. Conheço atores que se doam ao Teatro, conheço outros que nem leem Teatro. Tem gente que sonha ser ator, mas troca o sonho por um bom ordenado. Tem gente que troca um bom ordenado por um palco bem ordenado. A verdade, leitor, não compete a nós julgar. Faça seu trabalho e tenha orgulho dele.
Afinal ser ator não é padecer no paraíso. Ser ator é gostoso pacas!