textoAlzira – “Não diga palavrão, não. Isso é uma coisa muito feia… Você, toda vida, foi muito educado, graças a Deus. Essa queixa ninguém pode lhe fazer. Ninguém. O melhor menino que tinha por aqui era você, e todo mundo dizia. Dizia mesmo. Na escola, na missa…. Todo mundo dizia. Agora, não diga palavrão, não. Você não dizia naquele tempo, pra que é que vai dizer agora? Ainda mais dentro da sua casa. O que a gente aprende na rua, a gente deixa na rua. Não traz pra casa, não. Limpou os pés na soleira da porta, pronto: o que era da rua fica pra trás. Chega, pelo amor de Deus. ” (Trecho extraído de Avental todo sujo de ovo, de Marcos Barbosa)
Texto! Esse é o primeiro documento que nos chega às mãos quando pensamos em montar algum espetáculo. E entende-lo é o primeiro passo para que os pensamentos da direção, encenação, elenco e técnicos caminhem na mesma proporção. Daí chegamos a um trabalho que está quase em extinção: o trabalho de mesa.
lerTrabalho de mesa é essencialmente um trabalho de destrinchamento do texto feito na MESA. Não no sofá, na cama, no chão, no carro. É muito importante o circular ou retangular ou quadricular para que se escutem os sons, as palavras e enxerguem as reações de todos. Um trabalho de mesa é demais de importante, porque quando vamos para a fase de improviso/ensaio já tem um belo caminho percorrido/entendido. Não sei por que cargas d’agua muitos insistem em achar que é só decorar e fazer. Fazer é muito diferente de entender! Questionar! Sempre questionar, como Alzira, do texto acima, questiona o filho!
No trabalho de mesa, vamos analisar o texto e o caminho é extenso. Há trabalhos de mesa que duram uma série de encontros. Esses são bons! O objetivo de uma análise de texto é proporcionar atalhos criadores para a concepção do espetáculo, por parte de todos. Ao elenco, cabe aplicar a seus personagens, ações dramáticas e conflitos.
A comunicação do texto ao público é a primeira vontade para a concepção por parte do diretor. Numa real análise da forma e do conteúdo, onde se descobre e discute todos os porquês do texto, essa comunicação fica mais próxima da realidade. A quantidade de assuntos e abordagens para esse trabalho de mesa é enorme. Vou escrevendo sobre os assuntos por partes, caso contrário, o artigo seria muito extenso. Partimos da ideia de que uma peça, um texto dramatúrgico tem uma vida. Ela foi escrita por alguém que viveu em determinada época, acirrada por motivos econômicos, sociais, culturais, pessoais, históricos. Dentro do contexto da escrita tem o enredo, o gênero ao qual foi concebido, as personagens, as ações, os conflitos, antagonistas, protagonistas, apoios. Isso pode ser claro dentro do texto ou não.
Vamos lá!
leituraPrimeira leitura do texto. Todo mundo pontual no local escolhido, cada qual com seu texto, um lápis (não uma caneta), um belo sorriso estampado no rosto e vamos ao trabalho. Nessa parte da leitura, fazemos uma leitura branca, sem intenções concretas, sem interpretar. É um primeiro contato. Porém…Ele deve estar repleto de entusiasmo! (Entusiasmo = Deus interior). O entusiasmo na arte é a ponte que une a vontade de fazer com a criatividade a ser usada. Deixe-a exposta.
Sorria! Argumente! Pense! Deixe as impressões virem à tona, elas são genuínas, naturais e serão muito importantes para se medir as primeiras impressões que o público terá com esse texto representado/interpretado no palco. Aos atores, nada de fazer pré-pesquisa de quem é o autor, quem montou, quantos prêmios, quantos jabutis, quantos nhenhenhém. Não precisa! Isso atrapalha! Isso aumenta um ego bobo! Parta do zero! Parta da semi-ignorância ou ignorância. Só anotem nos seus textos todas as indagações, curiosidades, ideias, risos e dúvidas. Esses sim, serão importantes para se dar vida ao texto.
No próximo artigo, continuo falando sobre isso. Porque tem coisa pra dedéu! Aliás, o que quer dizer dedéu? Vou pesquisar! Um beijo e um queijo com patinhas de caranguejo! Não, só o beijo está bom!
Indicação
  • Livro para ler (e analisar): O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna
auto da compadecidaEsse texto, dito pelas palavras de Sábato Magaldi (1962), como o texto mais popular do teatro brasileiro, conta através de recriação de textos de cordel, as peripécias de João Grilo, típico cidadão do nordeste brasileiro com suas artimanhas de bom brasileiro dentro de uma dramaturgia que dá pano para a manga. Mescla elementos de cultura popular, com literatura de cordel, comédia e cultura religiosa. Suassuna, o mestre, nos presenteia com esse clássico do teatro, que ora foi adaptado para o cinema e televisão.