sexta-feira, 10 de abril de 2015

Kultme 16 - Homens, homens, homens, homens!



Homens, homens, homens, homens!


teatro
No Teatro grego, o homem era o responsável pelo espetáculo que representava, seja o personagem masculino ou feminino. Tinha, a seu favor, máscaras. Esta invenção cênica foi capaz de supervalorizar a função do ator-homem enquanto personagem feminino. Até que uma certa atriz resolveu romper essa barreira e pisar no palco como mulher. Estava dada a parceria que os homens precisavam. Não há disputa, não é um quiz-show homens x mulheres. É parceria! É história do teatro.
Os personagens masculinos que permeiam as histórias dramatúrgicas são quase infinitos. Instigam nossa imaginação e os vislumbramos com coloridos diferentes. Um Macbeth nas mãos de Lady Macbeth, dois amigos perdidos numa noite suja, na redação de um jornal homens se divertem pelas mãos de Nelson Rodrigues, a macheza exacerbada de Stanley de Tennessee Willians, a deliciosa imaginação de Dom Quixote de la Mancha, o Veludo de Plínio Marcos com sua áspera delicadeza, entre milhões de personagens masculinos já tomaram corpo e forma de atores deste mundão enorme que conhecemos.
brandoEu, enquanto ator, tive experiências impressionantes quando entrei em contato com esses personagens-homens. Quando se pensa que sabemos muito, não sabemos nada ou quase nada. Por isso que estudar sempre (eu disse sempre) vale a pena! No ofício belo e instigador (e não tão fácil assim) de ser ator, estudar é a ferramenta número 1, pois os personagens dentro de você só pedirão passagem quando você deixar eles dialogarem contigo, seja ele homem, mulher, bicho, uma árvore. Lembro-me muito bem que na escola técnica alunos-atores homens diziam (quando eram premiados com personagens masculinos): “Ah é moleza, difícil é fazer mulher!” Mal sabiam que a dificuldade é a mesma. Pensava: “Deus tá vendo!”.
A bem da verdade, a arte do ator/atriz não tem a ver com sermos homem ou mulher. Tem a ver com a disponibilidade da vida que deixamos fluir dentro de nós, deixar os personagens usarem e abusarem do seu corpo em prol de uma boa história. Não é “cavalo”. É teatro. É técnica! É estudo! É humildade e sabedoria.
cateMulheres também podem interpretar personagens masculinos. Não há regras quanto a isso. Direitos iguais. Se os homens divertem e fazem chorar com saias e balangandãs, mulheres podem fazer chorar e rir com homens dramatúrgicos. Lembro-me de ver a atriz Juliana Galdino, em Comunicação à uma academia, de Roberto Alvim, onde interpretava um macaco convertido em humano. Era um primor! O ator Paulo Gustavo usa e abusa dos personagens femininos transformando em riso sua arte. É a arte da transformação interna. O cinema também explora muito essa vertente. Cito Tilda Swinton em “Orlando” e Cate Blanchet em “Não estou lá”, vivendo um Bob Dylan incrível.
Na realidade, leitores, é que não deve haver diferença intelectual com “traços de supremacia” entre homem e mulher no teatro, muito menos fora dele. As diferenças se complementam. O que existem são características físicas do ator ou personagem que favorecem este ou aquele ator/atriz.
Teatro não é ringue. Teatro é uma colcha de retalhos que se constrói para esquentar a alma numa noite fria de verão.
Homens, vamos ao jogo! Mulheres, vamos ao jogo! Que o resultado, com certeza, será delicioso.
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Indicação
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  • Livro para ler: Macbeth, de William Shakespearemacbeth
O Rei Duncan tem altos préstimos pelo general escocês Macbeth. Certo dia, ele e Banquo, outro general, são abordados por três bruxas, que fazem as seguintes previsões: Macbeth será rei; Banquo é menos importante, mas mais pode­roso que Macbeth; e os filhos de Banquo serão reis. Macbeth não compreende as confusas palavras das aparições, mas elas calam fundo dentro de si. Ele relata o estranho encontro para a mulher, Lady Macbeth – uma das mais perfeitas vilãs da lite­ratura –que, ambiciosa, exerce seu poder sobre o marido, levando-o a cometer o gesto fatal de traição ao rei que desencadeará a tragédia dos dois e uma reviravolta na corte.


Kultme 15 - Mulheres, mulheres, mulheres, mulheres!


Mulheres, Mulheres, Mulheres, Mulheres!


Por Admir Calazans *
No mês das mulheres, o tema é a mulher. A mulher no teatro.
teatro gregoLá nos tempos do Teatro Grego, a mulher não tinha o direito de ser atriz, era substituída por atores masculinos de plantão. As mulheres de Ésquilo, Aristófanes, Eurípedes e muitas outras ganhavam forças nas máscaras usados pelos atores. Reflexo de uma época. O teatro caminha junto com a época e é capaz de interpretá-lo, recriá-lo e proporcionar ensinamento para nós. Os Homens desdobravam-se entre eles e elas. E as atrizes nem no palco chegavam. O tempo mudou! Ainda bem!
Certa vez, uma corajosa atriz francesa – Therese du Parc (La Champsmele) – ganhou notoriedade por ser a primeira mulher a pisar num palco como atriz. Integrante da trupe de Mólière, se aventurou na trupe de Racine e carrega consigo o título de primeira mulher – atriz – que interpretou Fedra. Ela abriu caminhos.
blancheO fato é que, a mulher, historicamente, foi sempre a segunda a vir. Não me joguem pedras, só estou contextualizando. Se pegarmos Nora – (Casa de Bonecas – Ibsen), Medéia – (Eurípedes), Ofélia e Gertrudes – (Hamlet), Blanche (Tennesse Willians) temos alguns exemplos de como esses personagens tinham que lutar para tornar sua cidadania mais completa e os seus pensamentos mais engatilhados em suas veias. Defendiam com unhas e dentes seus propósitos de amor, traição virtudes, subserviência ou simplesmente ser mulher. Era uma verdadeira epopeia. Personagens, na maioria, são retratos de uma época social. O começo nunca foi fácil, o meio foi mais descobridor, o término é infinito mas recheado de mistérios, erros e acertos.
Graças à essas pérolas – as personagens mulheres – nós temos o privilégio de termos atrizes com percepção aguçada e emoção esvaindo do esterno para o corpo afim de nos tirarem da zona de conforto (que aliás é a maior causa da preguiça exacerbada), e nos fazer pensar sobre o homem. E não precisa estar num teatro gigantesco para isso. Já viajei na história de um personagem de teatro de rua e fiquei de quatro.
O Teatro sempre teve muitos personagens para a mulher/atriz deleitar-se a gosto. Só para citar algumas: Desdêmona (Otelo), Lady Macbeth (Macbeth), Neusa Sueli (Navalha na carne), Fedra (Racine), Blanche DuBois e Stella (Um bonde chamado desejo), Alaíde (Vestido de Noiva), Solteirona (No natal a gente vem te buscar), Joana (Gota d’água), Tereza Carrar (Os fuzis da senhora Carrar), Nina (A Gaivota), dentre tantas outras que não lembrei para escrever aqui. Ah, e os homens-atores também podem aventurar-se a vestir esses personagens. Vale a concepção da encenação. Essa é a democracia teatral!
cacildaEntre “Marílias, Fernandas, Cleydes, Cacildas, Ruths, Glórias, Lauras, Bibis, Terezas, Dinas, Zezés, Nathalias, Dercys, Marias, Tônias, Déborahs, Denises, Dricas”, nós, os espectadores temos que agradecer a Dionísio quando estamos na plateia de mulheres que emocionam, que são capazes de perambular e viver entre o amor e a loucura de Ofélia, as sagacidades de Lady Macbeth, o quase desamor de Blanche DuBois, a simpatia de Pérola, de Mauro Rasi.
Esse nosso país é um tesouro cênico porque a riqueza é tão infinita que não dá para colocar num papel, os milhares de trabalhos femininos que eu já tive a oportunidade de ver e emocionar. A mulher, com sua capacidade de “sobreolhar” é mola propulsora desse fazer teatral. E isso porque nem me ative as diretoras, dramaturgas, técnicas, operacionais. O mês de março não é nada perante os outros meses em que elas se mantêm, lindas, guerreiras, firmes, mães, filhas, íntegras, emocionantes, mulheres. O mês de março é a simbologia de um ano inteiro.
Vivam as mulheres! Vivam e nos ensinem que amar sempre vale a pena!

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  • Livro para ler: Lisístrata – A Guerra do sexo, de Aristófaneslisistrata
A fim de minimizar as agruras da guerra, as mulheres gregas, lideradas por Lisístrata resolvem fazer greve dos deveres do casamento aos seus maridos. Agindo assim, exigem um acordo de paz.
Lisístrata é um retrato de seu tempo e da civilização ocidental. Um retrato bem-humorado, no entanto: inversões de papéis e situações absurdas e carnavalizadas marcam o texto. Nas entrelinhas desta obra-prima do pai da comédia, o que se vê é a discussão de temas tão sérios quanto atuais, como o a paz e a democracia, o amor à pátria e o preço da guerra. Escrita na época em que as mulheres não subiam ao palco.

Kultme 14 - Panis et circenses



Panis et circenses


Em tempos de crise, envolver-nos em assuntos medíocres e dar crédito as cabeças nada pensantes parece ser um objetivo fielmente perseguido por muitos.
rainhaEm meio a tonalidade de um vestido imbecil e o impasse para saber quem é o vilão da novela mequetrefe, encontramos a queda, no show, de Madonna. Isso mesmo! A Rainha do Pop caiu no show! Oh! Que importante! Oh, meu Deus, o que será do mundo artístico de agora em diante? Oh, alguém vai pagar por isso. Chamem a Rainha de Copas de Alice no país das Maravilhas e ordenem: “Cortem-lhe a cabeça!”.
Santo prognóstico babaca e cru! O palco e o show nunca é totalmente seguro. Quem deve levantar o Oscar de Segurança nessa hora é o artista/ator. E isso, Madonna fez, mesmo tendo machucado a cabeça. E ninguém comentou. Melhor é apontar o indicador e dar um milhão de risadas e compartilhadas. Viva o circo! Panis et circenses. Estamos voltando aos gladiadores romanos?
hamletEu mesmo tenho esquecimento de marcas e textos no meu currículo. Conheço gente que já comeu metade do texto de Hamlet, caiu do palco, entrou seminu porque não achou o figurino. Certa vez, em Hamlet, saí do palco e quando entrei na coxia, vejo uma atriz chorando copiosamente. O que foi? Perguntei. Sumiram (?) com o crânio do Hamlet! (Ela que tinha que cuidar do acessório) E danou-se a chorar! Com muita calma nessa hora, infiltrei-me por todos os lugares que ali poderia existir e enxerguei, lá longe, debaixo do palco, o bonito crânio de Yorick, não de Hamlet bonita atriz! Peguei. Do choro ao riso, ela entrou em cena e tudo desenrolou como combinado. Cadê a sua segurança dona atriz?
O palco, esse nosso maior aliado, está ali ao nosso dispor, mas alguém pode esquecer-se de dar um nó falso para soltar o casaco, não é Madonna? O que fazer? Cair e levantar majestosamente e seguir com o espetáculo. Deixe o mico para quem ainda gosta do riso fácil e o riso para a reunião de equipe na sala de estar ou no bar e na memória dos anos seguintes. O que importa é que o show não deve parar!
FUNDAÇÃO DAS ARTES TERÁ NOME DE ATOR FOTOS DO PALCO VAZIOO palco é onde estão expressos os nossos sentimentos, nossos olhares, nossas expressões, nossa criação, nossa criatividade, nosso ego, nossos amores, nosso descaso, nossas brigas, nossas peles, nossos membros, nossos ossos. É nele que vivemos uma história. É sagrado! Ele embala os nossos rituais. Eu tenho o palco como companheiro. Tenho imenso respeito! Por isso que, quando, algo dá errado, é meu dever sair por cima. É o imprevisto jogando com o programado. Por isso Madonna, eu não te aponto, eu te aplaudo.
E nós devemos repensar Panis ET circenses? Fica a cargo do nosso palco pessoal – o pensamento! Ele é nosso amigo.
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  • Livro para ler: Grupos Teatrais – Anos 70, de Silvia Fernandes
livroLivro de pesquisa de Silvia Fernandes, onde expõe a contribuição de importantes grupos teatrais no Brasil na década de 70, como Asdrúbal trouxe o trombone, Pod Minoga, Ventoforte, entre outros. O suporte documental em que se baseia a obra nos proporciona entender o que esses grupos pensavam nos seus processos de criação e suas relações com o palco.


Kultme 13 - É preciso não ser preciso



É preciso não ser preciso


“As pessoas não são más, elas só estão perdidas. Ainda há tempo!” (Criolo)
Essa frase da música do Criolo me inspira demais quando estou no processo de criação teatral.
Drama and comedyTeatro é a arte da vida. Representação, interpretação, solidificação, desvirtualização, virtualização, imaginação, amarração, “pop-ularização”, “elite-zação” das ações das pessoas e da vida. Seja qual for o entendimento que você assume para a arte do teatro, as pessoas estarão lá: diretor, elenco, técnicos, público, produtor, amigos e agregados. É um trabalho feito de pessoas , por pessoas e para pessoas. Cuidado! Hoje em dia tem teatro feito para benefício próprio, alimentador de conta bancária, ego e amostra grátis. As pessoas não são más, elas só estão perdidas? Ainda há tempo?
Há!
É preciso amar o teatro com sabedoria! Não dá pra amar o teatro porque é lindo ser ator. É preciso entender o processo, o caminho. É preciso deixar de acreditar que você é o máximo! Que tudo mundo gosta de você e daí você vai fazer uma peça e todo mundo vai ir. É precisoteatro 2não acreditar no dinheiro somente. É preciso levar as dúvidas para casa e transformá-las em ação ou argumentação, com propriedade. É preciso não ser preciso quando necessário. É preciso não ser maior que o próprio ego. É preciso usar o ego. É preciso perceber que você é uma pessoa. É preciso saber que você é uma pessoa em prol de outras pessoas. É preciso amar o teatro porque ele te escolheu como filho. É preciso aproveitar as fraquezas. É preciso não ser o cara! É preciso dialogar: com os outros e consigo mesmo. É preciso acreditar no dramaturgo. É preciso ouvir os atores. É preciso saber que o diretor é o diretor. É preciso não contar com o ovo no cú da galinha. É preciso não viajar na maionese se nem espaço para ensaio você tem. É preciso pensar que não pensar no teatro, desopila o fígado. É preciso não “SER DO TIATRO”. É preciso distanciar para entender e aproximar para atingir. É preciso acreditar que as pessoas não são más, elas só estão perdidas, que o tempo é nosso amigo e a preguiça mental é nossa maior inimiga.
atorNão sou eu que escolho o Teatro, é ele quem me escolhe. Eu não o uso. Ele que abusa de mim, provocando desordem na razão, instigando a emoção e a imaginação e batendo tudo no liquidificador cerebral para que a operação não falhe e o público o receba com ar de transformação. Sou o meio, não o início e nem o fim.
É preciso……..gostar da vida…….para ….lidar…..com ela!

Indicação
  • Livro para ler: A Metamorfose, de Franz Kafkametamorfose
A metamorfose é a mais célebre novela de Franz Kafka e uma das mais importantes de toda a história da literatura. Sem a menor cerimônia, o texto coloca o leitor diante de um caixeiro-viajante – o famoso Gregor Samsa – transformado em inseto monstruoso. A partir daí, a história é narrada com um realismo inesperado que associa o inverossímil e o senso de humor ao que é trágico, grotesco e cruel na condição humana – tudo no estilo transparente e perfeito desse mestre inconfundível da ficção universal.