segunda-feira, 1 de junho de 2020

Diálogos do cotidiano - O triângulo das bermudas

Diálogos do cotidiano
O triângulo das bermudas.
Perdida - Moço onde fica a rua Serra do Pilar?
Rapaz - Essa é a Serra.
Perdida - Ai meu São Januário. Obrigado.
Rapaz - Por nada. Espera aí Mano, to falando com a mulher aqui.
Perdida - E o número 5?
Rapaz - Aqui é o número 5.
Perdida - Sério?
Rapaz - Que eu "sei" só tem esse número 5 aqui.
Perdida - Ai meu São Januário e agora? Qual prédio será?
Rapaz - Não sei.
Perdida - Não. Eu não te perguntei; falei sozinha.
Rapaz - Ih, agora sou louco então. Peraí mano. Eu ouvi, mas aqui tem prédio pra "caraio". Vai ser difícil achar.
Perdida - Vou ligar pra minha comadre.
Rapaz - Liga pro São Januário. Mano, a tia tá "locona". (Sai tirando uma onda com umas canelas morenas e finas com poucos pêlos dançando na barra de uma bermuda de tecido praiano).
Perdida (falando sozinha e tentando enxergar o celular) - Bandido. Só pode ser bandido.
Ao longe, descendo a ladeira, dois amigos lado a lado desenhava a imagem da liberdade e perto, a prisão era desenhada pelo celular apertado de ponta cabeça por dedos finos. Sem bermuda.

Poesia minha - Reticências

Reticências
Por dentro, sol denso
Por fora, sol lento
No todo, tormento
Na alma, lamento.
Ah...
A poesia fala quando quer!

Crônicas do cotidiano - Galinha choca

Galinha choca
Uma das características de um tempo úmido, desses típicos de Outono é aquele ventinho que se transforma em ventania, que diminui e traz uma brisa fria. Friazinha!
Em tempos de distanciamento social causado por uma doença causada por um vírus que surgiu em algum lugar, dirijo nessa tarde observando o nada vazio das ruas, avenidas, ruelas e postos de gasolina e enxergo, como um cenário de filme iraniano, um garoto. Menino mesmo, uns oito ou nove anos, branco, cabelos pretos, vestindo bermuda e camiseta que não lembro a cor e nem se calçado tinha. Mas tinha um sorriso de criança feliz. Pensei em como a felicidade é uma vírgula necessária. Em uma das mãos uma latinha com linha enrolada e na outra a linha que segurava uma sacolinha de mercado, dessas verdes que custam ao consumidor oito centavos. A sacola dançava ao movimento de Pina Bausch, impulsionada por um puxa puxa de dedos infantis. No rádio tocava Sigur Rós. Uma trilha sonora que viajava e que, sei lá qual causa, me fez chegar aos meus oito anos.
Quando eu tinha essa idade, eu me encantava, com olhos bem virginianos e lacrimejantes, com uma espécie de balão caseiro feito de jornal amassado. Os meninos da Rua Paulo, outra memória incrustada na literatura da memória , que não tinha nada de Paulo, mas de um general que nem sei direito quem era, um certo Gastão Goulart, construíam esse balão encantador que chamávamos de "galinha choca". E a galinha queimava e subia com uma leveza zeppeliniana, em níveis de leveza sublime que, comparavelmente, me remeteu ao saquinho empinado pelo garoto maroto e lá no alto, queimava e uma espécie de peso de jornal desabava como uma pedra incandescente em direção ao solo. Nós, os meninos, corríamos para fazer a próxima galinha choca e assim iam várias folhas amassadas na arte criada, até cansar. Era encantador assim como o saquinho devia ser para o menino.
Eu sei que o vento, muito mais que os meninos, diverte-se mais com essas brincadeiras e deve sorrir gigantemente quando vê os dentes contentes da garotada que cresce deixando para trás a inocência de linhas e carretéis.
Sobe galinha choca, sobe sacolinha cara.Faz o vento brincar também.
Pelo retrovisor, vejo o menino sumindo ante o tempo cinza e o Sigur Rós cessando ao meu ouvido.

Diálogos soltos

Diálogos soltos
Bêbado: Você tem certeza disso meu chapa?Porque eu tenho. Eu tenho certeza que não sei porra nenhuma.
(E saiu gargalhando entre passos de jogo da velha)

Diálogos do cotidiano - Medo

Diálogos do cotidiano
Medo
Homem - Sabe? Eu ando tão sem fazer nada que o fazer nada já está cansando.
Mulher - Mas você tá usando máscara?
Homem - Se uso! Tenho é muitas. De toda cor e até do Bolsonaro eu tenho.
Mulher - Joga fora essa peste! Deve é tá com o vírus, por isso que você tá cansado.
Homem - Hã?
Mulher - É óbvio.
Homem - Não entendi Rosa.
Mulher - Esse presidente não gosta de máscaras e se ele tá na sua, então tá pesada.
Homem - Mas eu ganhei.
Mulher - Pior! Quem te deu não gosta de você.
Homem - Foi minha mulher.
Mulher - Devolve pra ela.
Homem - Ela vai me xingar. E quem vai ficar cansada é ela e vou ter que fazer tudo em casa. Eu não.
Mulher - E o que tem demais. Você come e dorme lá. É sua casa.
Homem - Mas Rosa, ela é brava. Você não conhece?
Mulher - Estranho ela te dar uma máscara do Bolsonaro. Ela tem ódio desse homem. Eu também. Deus me livre! Quer que todo pobre morra.Vive falando de Deus e eu nunca vi este homem num culto.
Homem - Ele é esquisito mesmo.
Mulher - Então porque não joga fora essa porcaria?
Homem - (risos nervosos) Se Dalva perguntar da máscara e eu dizer que joguei fora, ela me mata.
Mulher - Então você tá com medo dela.
Homem - E eu terei medo dela? Tô só cansado de não fazer nada.
Mulher - É medo. Vai assume e joga fora essa porcaria. Você vai ver como vai melhorar.
Homem - Vou jogar, mas não fala pra ela.
Mulher - Eita homem medroso.
Homem - Só tenho medo do corona.
Mulher - De Dalva também! ...Eu tenho medo de não conseguir pagar meu aluguel.
Homem - Medrosa! Quer uma máscara?
..... a cara e o riso de Rosa era cativante... e lá se foram, com sacolas de verduras na mão.
Verdura é essencial?