quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Conversas do cotidiano - Casal

Conversas do cotidiano

Casal

Manhã posterior de uma noite chuvosa cheia de percalços na terra da garoa. Como uma procissão de fiéis em busca dos seus tostões, todos seguimos a marcha rumo ao nossos Olimpos. Quer dizer...
Entra um casal, supostamente casados; denuncia uma grossa aliança dourada nos dedos quase bonitos da mão esquerda de ambos. Um presente de algum dos pais. Pode ser.
Lado a lado, eles se posicionam à minha frente
Lembrei de uma tela de cinema ou um palco italiano de teatro.
A trilha sonora é o zum-zum do metrô. A luz aberta, geral. Atmosfera. Ele está todo de preto, um guarda-chuva pequeno na mão, barbudinho, alter ego do carinha da "Trivago", só que mais parrudo e menos vivo. Ela é laquê misturado com um "seda" simples, base no rosto alternando com um batom vermelho e rímel. Roupas estampadas e uma bolsa qualquer.
Como numa partitura exaustivamente ensaiada, eles sacam seus celulares e entram em estado neutro através de séries ou redes sociais.
Ela, com sorriso estilo "Monalisa" - Se chover hoje, passa no escritório.
Ele, sem movimento algum - Mmmmm.
(Silêncio, respiração em todos os lados)
Ela, depois de algum tempo - Essa série é muito boa.
Ele - Mmmmm.
Ela - Você acredita que ontem uma menina tirou os sapatos perto de mim e subiu aquele cheiro de salgadinhos "Elma Chips"?
Ele, sem tirar o guarda-chuva do sovaco e o olhar do Android - Essas coisas só acontecem com você.
Ela - Mmmmmm.
Absorto na cena, lembrei de Ionesco e sua "A cantora careca" e essa tal comunicação e nem percebi que já era meu destino.
Ele - Bom trabalho. (Parecia uma central de atendimento)
Ela - Hã Hã.
Ele desceu e eu atrás dele, em direção aos trens. Ela ficou, sentou-se e achou graça em alguma cena da série, esboçando um sorriso solitário. Ele caminhando de fone no ouvido nem percebeu seu amor sumindo no vagão e um olhar não correspondido.
"Que curioso!"
Voz: Moço que trem eu pego pra Osasco? - simpaticamente, uma guria de rabo de cavalo me indagava.
Eu respondi e segui satisfeito com o teatro da vida real que acabava de assistir e fui...em direção ao Olimpo.
"Tomara, à noitinha, o casal dê um beijinho".

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