quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Crônicas no olhar - Avaliação

Crônicas no olhar
Avaliação
Juan sempre se achou o cara perfeito. Quase bonito, bem vestido, pele boa, sorriso pôr do sol, falava bem.
Solteiro por opção, despistou muitos corações acelerados de mocinhas erroneamente apaixonadas. Não era sua praia se amarrar.
Tinha muitas curtidas nas suas redes sociais, em fotos produzidas para encantar, as postagens tinham até cheiro para quem deslizava seus dedinhos sobre elas.
Juan se achava o cara!
Maria se achava feia. Dentro das suas conquistas, nada lhe agradava. Não teve sorte no coração, poucos sorrisos, suas roupas vinham num cinza outonal. Maquiagem nem pensar. Vivia a dirigir seu Ford Ka, cinza, na profissão que pôde exercer depois da demissão do escritório de engenharia: motorista de aplicativo. Falava pouco mesmo. Escondia-se. Tinha imenso pavor à avaliação de sua profissão. Uma estrela em 4 a fazia chorar. Copiosamente. E então, comia.
E naquela tarde chuvosa o encontro anunciado por um sentido milimetricamente desmantelado aconteceu. Juan e Maria estavam sob o mesmo teto metalizado e o silêncio era rei. Ele a olhava e pensava o quão desastrada ela era, não tinha nem voz, cabelão. E ela desprezava sua camisa com cavalinho lateral e cabelo coladinho.
A conversa foi pequenina, em sílabas. As inquietações foram enormes, construções.
No rádio tocava uma música americana com gritos exagerados, desenhando como um risco de eletrocardiograma, duas vidas distantes. Um farol em três fases ilustrava uma distância. Chovia. Havia educação, não havia comunhão.
A música acabou e cedeu lugar à falação de algum radialista canastrão.
Juan sentiu um comichão no peito e Maria queria pressa.
Batendo a porta com força, Juan desceu com sapatos de camurça azul marinho tocando o chão e Maria agradeceu sem encarar.
Recebeu três estrelas de avaliação e chorou. Chorou. Não quis compreender.
E comeu.
Um romance.

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