sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Novelinha a beira de um ataque de risos...













kultme 45 - Que venha 2018. Reflexões sobre a arte e a vida.


Que venha 2018. Reflexões sobre arte e vida


E lá sei vai mais um ano!
Muito comum, nessas épocas natalinas, o sentimento de gratidão e as festinhas de happy hour comemorativas.
“Vamos nos encontrar?”. “Precisamos nos ver antes do final do ano”. “Um almoço de comemoração do ano vai bem.”. Essas frases já viraram jargão nacional (ou mundial). Eu acho tudo muito válido, afinal de contas o período já traz esse espírito de unidos (pero no mucho).
Em se falando de teatro…
Sabe aquele seu amigo ator/atriz, diretor, produtor, artista? Ele precisa desse espírito da comunhão o tempo todo. Ator se alimenta disso. Ou você nunca se deu conta?
Esse ano de 2017, eu e minha trupe, com seis atores, ficamos meses em cartaz. Antes passamos por uma campanha de financiamento coletivo amplamente divulgado e constatamos algumas coisas.
  • Sentimos a ausência de muita gente querida em nossa plateia.
  • O nosso maior público não são atores.
  • A cada temporada ganhamos muitos fãs.
  • Nossa fé em nosso trabalho só aumenta a cada espetáculo.
  • Trabalhamos arduamente.
  • Tem muita gente boa nessa vida… ainda!
  • A energia é um contágio.
  • Deu errado? Improvisa.
  • Quem não se mostra, come pipoca sozinho.
  • Quem vive de ação é ator.
  • Perde-se aqui, ganha-se ali.
  • Um sorriso e uma alegria paga nossa alma.
  • Fazer comédia não é fácil. É prazeroso.
  • Fazer comédia não é caminho mais curto.
  • Como tem gente de Teatro ácida!
  • Como tem gente de Teatro adorável!
  • Sentimos a ausência de muita gente querida na nossa plateia.
  • Sentimos a ausência de muita gente querida
  • Sentimos a ausência de muita gente
  • Sentimos a ausência de
  • Sentimos a ausência
  • Sentimos!
Ator vive e precisa de ajuda, de divulgação, de público presente, de aplauso, de palavras honestas, de carinho, de liberdade de criação, de olhar externo, de compartilhamentos de seus posts, de fazer intercâmbio cultural, de sorrisos, de dinheiro (claro), de solidariedade, integridade, de boas ideias, de espaço, de generosidade. Quando essas necessidades vêm, realizações vão. É uma troca.
Fica aqui o meu agradecimento especial à galera do Kultme e seus leitores que sempre estão comigo. Aos amigos que a vida me proporcionou ter, à família, que é à base de tudo, a Will e Manu, meus amigos bichos. Ao amor meu, aos amores teus!
Que em 2018, possamos melhorar nosso olhar perante o outro, porque coração todo mundo tem. E paremos de disputa em arte. Não acrescenta! Faça o seu e já e meio caminho andado.
Ano que vem tem mais.
Namastê!
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Um livro para ler
auto

Auto da Compadecida
 é um livro em forma de auto. O texto é de 1955, pelas mãos do fabuloso Ariano Suassuna.
Com humor incomparável, e utilizando uma linguagem popularesca e de cravação social, Suassuna nos presenteia com as aventuras de João Grilo e Chicó – histórias que permeiam e balançam as estruturas de uma sociedade popular e religiosa.

kultme 44 - Por que diabos se reestreia um espetáculo teatral?


Por que diabos se reestreia um espetáculo teatral?


Geralmente, um processo teatral leva um belo tempo para o seu preparo, como um bolo difícil de casamento. É esmiuçante um processo desses – leituras, decomposição, composição, formatações, experimentações, emoções e, finalmente, é levado a público.
Há um bom tempo, os espetáculos eram criados e seguiam temporadas de sexta a domingo, criando um público que se multiplicava a cada apresentação e que, por consequência, gerava um teatro de repertório.
Hoje a situação está invertida. Não se tem vida longa ao espetáculo. Temporadas curtas para quem não tem dinheiro, patrocínio ou edital. Os donos das casas de espetáculo cobram precinhos “bem camaradas” em nome da arte (do bolso). Compreensível, afinal todo mundo tem que pagar, certo? Não tá fácil pra ninguém!
Então, reestrear um espetáculo não é uma tarefa fácil. Depende de muita vontade e disposição para levar um prejuízo (ou não). É uma faca de dois cortes esse caminho. Mas vale a pena ousar!
Essa coisa do dinheiro é uma chatice triste.
Certa vez, procurando sala de espetáculo para minha companhia teatral que tinha mais de 10 anos de trabalho, ouvi (por e-mail, porque falar com “gentinha não influente nem pensar”) a seguinte afirmação: “Só temos interesse se você tiver patrocinador ou coisa parecida”. Ou seja, MONEY! … E esse mesmo sujeito vivia defendendo a arte nas redes sociais, no episódio exposições. Pensei: “Vá à merda maldito!”. Hipocrisias.
Mas deixemos isso pra lá.
Como um apaixonado por teatro e suas qualificações artísticas, acredito que uma reestreia é um “evento”. É o momento de reviver a temporada já realizada, angariar novo público, proporcionar a experiência a quem não viu, a oportunidade de fazê-lo. Sorrir, brincar, realizar e “teatrar”.
Que tenhamos mais reestreias a fim de que espetáculos criem história dentro da cena, que o público tenha mais acesso à cultura e que os investidores acreditem mais em todas as formas de arte. Espetáculo tem que ter vida longa fora da casinha, porque na casinha demora bastante sua criação. Precisamos, artistas, fazer jus a isso! Vamos lá, então!
O papel do artista não é ficar discutindo o cu da gansa, e sim fazer o cu da gansa fazer sentido!

Kultme 43 - Teatro: eu não tenho talento. E agora?

Teatro: Eu não tenho talento. E agora?

teatro
Dissecando o quesito talento do ator, fico a pensar se o dom, o chamado talento nato, é mesmo o item mais importante na receita para se fazer um herói do palco.
Sim, sem dúvida alguma, o tal talento que veio do berço mastigado com grandes pingos de sorte é um diferencial. Porém, essa receita pode queimar se lhe faltar humanidade. Sim, porque esta – a humanidade – ela não vem no gene, vem com a vida e a vivência. “A unanimidade é burra”, já dizia Nelson Rodrigues.
Eu já me deparei com atores muito talentosos e capazes de se sair bem com muitas incitações, e outros nem tanto. Sou porém fã número um do ator por vocação, muito mais do que do ator recheado de talento.
Sei que a prática instiga quem tá a fim de ser ator, de se tornar um, e ela colabora para uma infinidade de questões disciplinares. Muito mais comum ver um ator por vocação que estuda mais, que chega no horário, que não falta no ensaio por pequena coisa, que sorri mais, que respeita mais o amigo, o processo, o que diz o diretor, ouve a técnica, tem o espírito mais próximo do Ser Ator. Eu já vi poucas e (não tão) boas práticas de atores “estrelas”. Exige isso, aquilo; chega atrasado ou em cima da hora porque não quer conversar com ninguém, reclama que o outro ator não está “conseguindo”, quer justificar sempre os seus erros, se acha sempre bom e atropela as unidades de processo por que sempre se acha o “Senhor dos Anéis”.
Por essas e outras, me delicio com ator por vocação, que aprende o fazer teatral se jogando no ringue, experimentando, errando, chorando, entrando em parafuso. Esse me encanta muito mais. Ator dotado de dom natural e que não sabe respeitar processo me dá preguiça mental.

Me delicio com o ator que aprende
se jogando no ringue, errando,
chorando, entrando em parafuso

Ah, e sempre isso fica muito visível no palco. Certa vez fui assistir a um espetáculo de um amigo e tinha uma atriz-bailarina-dançarina-sei-lá-o-quê em cena que parecia um ego à frente do espetáculo. Era de um incômodo! Botou o espetáculo para baixo porque estava over ego!
Fui perguntar para ele sobre essa minha observação e ele me disse que ela nunca respeitava o que o diretor – seu amigo – lhe dizia, e que ela opinava sobre tudo. Era uma Fênix ressurgida do próprio umbigo. Ou seja, se achava a atriz que levaria o espetáculo nas costas e assumiu essa responsabilidade boba. Por isso, é muito importante a mão do diretor quando se constata esses excessos. Amigo ou não, tem que ser dito. O espetáculo agradece e o público também.
Já trabalhei com atores que modificam as regras no dia do espetáculo, como se aquilo fosse legal. Não é um jogo de improviso que é válido, é surpreender para foder o outro em cena. Acho péssimo e, se eu estiver dirigindo, pego no pé mesmo e não aceito.
A melhor saída é mesmo saber o seu papel no processo. Usar e abusar dos seus cinco sentidos, aguçar a intuição, estudar e jogar com o elenco. Construa seu personagem pelo processo, não pelo seu umbigo. Daí, no fundo, com dom natural ou talento por vocação, o resultado vai ser de coração. Vai ser verdadeiro.
Outro dia assisti a um espetáculo, resultado de alunos de uma turma de circo. Era tão gratificante ver esses atores por vocação, administrando seus números em concordância com o tema proposto, com os parceiros de palco, com o público presente, com suas facilidades e dificuldades que aquilo tudo me encantou. Fui cumprimentar meus amigos que dirigiam o espetáculo e que com sabedoria se colocaram em cena, como um suporte à arte dos futuros artistas. “Com certeza muitos daqueles atores-alunos já são artistas hoje”.
Aplaudi de pé! E fui embora feliz!
“Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo…”.

***

Um livro para ler

Jogos Para Atores e não Atores – Uma série de exercícios e jogos, onde Augusto Boal aprofunda os termos do Teatro do Oprimido, em que o espectador é instigado a interagir com os atores no palco.

Kultme42 - Julgar ou não julgar, verbo intransitivo?


Teatro: Julgar ou não julgar, verbo intransitivo?


ator-palco
Por que o que eu faço é sempre melhor do que o do outro?
Pela minha gostosa caminhada teatral e como um bom observador, virginiano com ouvidos atentos e olhos de Bete Davis que Deus me deu, onipresente, deparei-me sempre com isso, diversas vezes. Existe sim uma prepotência no meio teatral.
Faça longas caminhadas sob o sol e não aprende mesmo. Como absolutos senhores feudais – tão criticados por eles mesmos – conseguem em questão de minutos, numa ação corriqueira e simples, demonstrar o que realmente pensam sobre o fazer teatral – do outro! São os cupins do jogo! E sempre cercados de muitos admiradores. Sempre! Porque é mais fácil adorar quem está na crista da onda.
Quem não está no “mainstream” que vá plantar batatas! – eu já ouvi isso de gente, teoricamente, de arte. Na Terra da “Banania”, quem tiver maior casca, ganha. Não seríamos nós, os da arte, os mais sensíveis e sensibilizados? Não subestimem ninguém, sensíveis somos todos. Uns mais, outros acostumados.
Não quero, com isso, ser o detentor da justiça ou a Madre Tereza de Calcutá dos pampas. Quero sublinhar que toda forma de arte merece respeito e que todo processo teatral é digno de criação de emprego (seja ele remunerado ou não), valorização da criação, ideia planejada e executada e sempre feita para alguém assistir, além de uma provocação interna nos atores, no diretor, na equipe toda. Em processos de criação, ficamos sempre muito imbuídos com os temas abordados na montagem, nos fazendo melhores pensadores e melhores seres humanos. Isso ninguém tira de nós!
É nossa obrigação enquanto artistas. Basta de “achismos”. Quando não se conhece e julga, é preconceito. Conceitue-se e daí vira opinião, gosto, sei lá!
Outro dia li algo assim: “…só vamos ter comédia no governo do fulano de tal…”, num tom pejorativo. Pensei: Quanto desrespeito aos profissionais que fazem comédia (naquele contexto). A polarização política apaga o bom senso? Até porque governo algum incentiva a arte na sua totalidade.

Fui ver a vida da figura: não produz nada, 
fica vendo o mundo passar 
imaginando o cachê

Outra vez li, “Digo não aos grupos de teatro que não pagam por ensaios, só faço teatro com cachê no ensaio…” Pensei: “Estamos na Terra do Nunca?” Fui ver a vida da figura: não produz nada artisticamente, fica vendo o mundo passar imaginando que o cachê vai rolar no ensaio. Poucas são as produções que fazem isso, boy! Saia das linhas “facebookianas” e vai pra cima. Crie! Pague a você o seu cachê!
Há muito ódio nas entrelinhas. Um cara outro dia acabou com o teatro de grupo dizendo coisas tão valiosas para quem faz teatro de grupo, que a experiência dele não deve ter sido nada boa. A solução é achar uma saída e não culpar isso pela própria falta de coragem perante a vida e a arte. Não julgue quem está trabalhando: é feio, é imoral!
Dou aqui os parabéns, com braços bem largos, à escala enorme de artistas que se viram, que criam seus espetáculos de dramas, comédias, dança, humor, stand up, tragédias, performances, enfim. Àqueles que saem da cretinice do reclamar!
E outra: só diga que não gosta de algo se provar! Sem provas, não há argumentos. Em Teatro é igual. Cuidado: é de um povo polarizado que os “carecas” gostam mais!
***

Um livro para ler: Para um teatro pobre – Grotowski / Eugenio Barba

Os textos que fazem parte desta obra foram organizados pelo teatrólogo italiano Eugenio Barba, que versa sobre o teatro sem efeitos e embasado na relação real e viva entre espectadores e atores, amplamente praticados pelo encenador polonês Jerzy Grotowski, criador do chamado “teatro pobre”.

kultme 41 - O exército de um homem só

O exército de um homem só

palcoAs luzes do palco se apagam, o ator se retira do cenário.
Começa o processo de tirar a maquiagem, borrada com o suor escorrido, tirar também o figurino que enalteceu suas ações. O tempo vai acalmando aquele torpor lá do início do espetáculo quando soavam os três sinais do teatro. Um peito quente, um furor íntimo!
Como um clima pós-guerra, não se ouvem mais frases completas, conversas que vão desaparecendo sem eco, alguns poucos risos, respirações, barulho de desmonte – o cenário já era.
“Tchau, fulano… até a semana” (vai silenciando o barulho)… “Que demaquilante ruim! Tô com cola no olho vou assim mesmo, depois sai no banho…”
Mala fechada, hora de dar um tchau pra aquilo tudo, olhar circular, panorâmico. O camarim deve estar em ordem!
Está tudo em ordem, somos artistas conscientes!
Daí é cada um para o seu lado. Se tiver um dinheirinho, rola um jantar, um lanche ou uma bebidinha; se não, vai ser o que tiver em casa mesmo e se tiver! (Já conheci ator que comia pipoca, aquela do saquinho vermelho, doce)
atorSe tiver um carango, a mala vai guardadinha no porta-malas, se não, vai pesando nas mãos dentro da condução que demora um montão de tempo para passar. O cansaço abre portas para o sono, mas este não pode vir não, porque a mala está na mão. Não corra riscos – acusa a consciência.
Sono. Sonhos. Cansaço. Sonhos. Here comes the sun!
Acorda sozinho. Toma café, come uma tapioca recém-preparada e desperta de vez. Sorri, porque um risco de memória o levou ao palco. Como é bom! O palco! Olha ao redor, não tem público, não tem ninguém, não tem plateia. Solidão. Solidez. Solitude!
O ator é esse ser humano agraciado com o poder da companhia e da falta dela. É instigante! Nota-se: em nenhum momento, estou dizendo que isso e bom ou mal. Na maior parte, as agruras, como dizia Shakespeare, chegam para nós, atores, por meio da nossa sensibilidade mais apurada.
Percebemos quando nossa família não “liga muito”; quando nosso amor prefere mais o jantar a falar sobre o espetáculo que viu (ao menos uma vez TEM que ver); quando a ausência daquele amigo que você ama se faz presente na temporada toda; quando ninguém pergunta nada, absolutamente, como se você fosse cobrar algo; quando acham que ser ator é “glamour” e associar sempre às novelas televisivas. Quantos tabus a serem pensados!
teatroHá, também, o abraço recebido de pessoas amigas, conhecidas ou não. Mas é “bão” Sebastião”. Chocolates, mimos ou flores, tão essenciais!
No fundo, o ator é um bicho solitário. Solitário, só, sozinho, solto, solícito, criador!
E aquele ator que souber usar isso a seu favor, fará um bem enorme a sua autoestima e à arte ao seu redor, criando dramaturgias, cenas, poemas, músicas, ideias, imagens, ações….
Porém, a solidão é um caos. Atormenta. Ator! Menta…lizar! O modo pensar é um antídoto natural ao caos.
E sorte a nossa que tem o público com seus aplausos para nos remediar e voltar na próxima sessão.
Namastê!
Sim, nós somos o exército de um Homem Só!