quarta-feira, 11 de junho de 2014

Textos sobre teatro - Kultme

















Nesse cantinho vou publicar meus textos dissertando sobre o teatro e seus caminhos, elaborados exclusivamente para o site cultural kultme, do qual faço parte como comentarista.


Leia e deixe seu recado...

Texto 1

A VERBORRAGIA E O Teatro


Peguei o Aurélio, por curiosidade, para descobrir como o “pai dos burros” nacional define a palavra teatro. “A arte de representar” foi a resposta.
Partindo da verborragia do Aurélio, representar pode e é uma faceta da definição da arte teatral. Então, fazendo uma incursão na verborragia, tento chegar mais próximo da definição dessa forma de arte: interpretar, reinventar, transformar, redimensionar, criar (criativo ou criador, eis a questão!), jogar, brincar, viver, vivenciar, emocionar, estudar, perseverar! Opa! Perseverar é legal!
Em alguns anos de estrada teatral, perseverar faz um sentido enorme. Teatro se faz com público, espaço cênico, dramaturgia (escrita ou não) e ator. Sim, essa figura – o ator – é a peça que faz a comunicação da dramaturgia ao público.
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Além de todos os termos técnicos e obrigatórios que um ator deve ter, saber e praticar, como as técnicas de Constantin Stanislavksi, Bertold Brecht, Jerzy Grotowski e figuras mais contemporâneas como Bob Wilson e Peter Brook, entre outros, deve correr nas veias desse ator um “fogo” teatral que te proteja da falta de condições técnicas, financeiras, midiáticas, artísticas. É esse material interno, que aqui eu defino como entusiasmo (Deus interior), que instiga, que desafia, que faz sorrir e chorar sem dor.
Porém, não há mágica sem estudo. “Sonhar não custa nada”, como já dizia a velha canção, mas para que o sonho vire realidade há de ter ação. E nada cai do céu, além da chuva e granizos. Em nosso país, a questão “estudar teatro” deve ser levada a sério. Sério mesmo!
mmÉ estudar para aprender, ampliar os conhecimentos, desmistificar o estudo como algo chato e obrigatório.  Sou a favor do teatro na grade (não gosto da palavra ‘grade’ na educação, nos dá uma impressão de prisão) das escolas deste país.
Ser um ator que estuda o indivíduo, as ações físicas, os conceitos, os autores, as épocas, as personagens dentro de si, as referências, o contexto, os gestos, os dramas, a identidade, enfim, uma gama de tópicos que faz, completamente, a diferença. E ser diferente nesse mercado, é um passo adiante no concorrido “mercado” teatral.
Conheço uma porção de ‘ator’ que diz “Eu só faço o que o diretor me pede”. Não consigo compreender um ator com esse perfil. A arte do teatro tem a ver com impulsionar o indivíduo, descoberta das diversas personas que todos nós temos, de tirar o indivíduo do lugar comum, repousado; é estímulo criador, é sofrer para aprender, para se identificar. Falta identidade, falta personalidade, falta o estudo de si mesmo.
Espelho de várias faces
Na dança dos verbos, vou então propor o contrário. Quais verbos não definem teatro: copiar, esperar, mandar, subornar, mistificar, endeusar, limitar. Êpa! Limitar, eu gosto!
EQ
Limite no sentido de podar o senso criador do indivíduo, deixar-se levar pela correnteza e ter a coragem de não saber se vai enfrentar uma cachoeira ou se vai ter alguém a te oferecer um galho como ajuda. Sair deste lugar comum da vida tem muito a ver com a arte em suas variadas ramificações. E com o teatro, então, é cartilha obrigatória. Nesse contexto, posso afirmar, contrariando o Aurélio, que perseverar e limitar são antônimos!
hamletComo vivemos num país com um quê de democrático, há espaço para todos.
Mas, independente do trabalho que um artista constrói, o compromisso do indivíduo com ele mesmo – e que acaba refletindo no público/plateia – é o maior expoente para ser um artista de verbos sinceros.

Construção é vida

Não se entregue à preguiça do não estudo. Seja intuitivo, se permita ir além da causa comum, do lugar habitado, explore suas emoções, seus sentimentos, sofrimentos, alegrias, dê muita risada para a vida (e dela também), observe as pessoas ao seu redor e aquelas que estão distantes, observe pela ação, esqueça as palavras neste momento, leia um pensamento, leia o seu pensamento, se questione, explore seus cinco sentidos, chore, leia histórias em quadrinhos, assista desenhos, faça seus próprios figurinos, apanhando da costura, apanhando das tintas, dos botões.
EDERCrie sua identidade, se posicione politicamente, ame alguém, ame os animais, tenha bom senso, escute músicas, inclusive aquelas que você não curte, até para ter certeza porque não curte; reconheça suas fraquezas, suas riquezas, seus superávits e seus déficits.
Um artista se constrói com armas capazes de comunicar-se (olha aí outro verbo) com o outro. E essas armas se traduzem em perseverar.
Portanto, avante senhoras e senhores, moços e moças, jovens crédulos e incrédulos, artistas de plantão, curiosos ou não, cultos ou simpatizantes da arte. Não se deixem cair. Perseverar é o verbo de cabeceira. O meu está lá, em cima de um livro.
Permitam igualmente dar-me as boas vindas ao Kultme. Que seja longa e sincera essa nossa história de amor.


TEXTO 2








PALCO, ESSE SENHOR PODEROSO



commedia
Certa vez, ouvi num programa de televisão uma artista-atriz ou atriz-artista, sei lá, dizer a seguinte frase: “O palco é o lugar mais seguro que eu conheço”.
Aquela declaração pausou meus pensamentos. Fiquei ali defronte ao “teatro dos vampiros” tentando entender e decodificar a declaração da experiente (experiência, o que é isso?) atriz. Nem percebi o resto da entrevista, talvez porque não era mais interessante.
O palco para mim é o precipício mais gostoso, mais perturbador, mais instigador, mais desafiador, mas nunca o mais seguro.
Nele você está exposto, de alma e coração, entregue ao teatro e a seus deuses, colocando em prática os seus estudos dentro do processo, dialogando com a plateia.
Seja arena, italiano, semi-arena, rua, espaço cênico, alternativo, a magia estará lá.
Quando entramos num palco estamos nus, desprovidos das sabedorias que nos são pertinentes ou da falta delas, deixamos o estudo de lado e esquecemos o ego no bolso da calça. Ficar entregue a este capricho teatral é uma longa viagem noite adentro. E uma longa viagem noite adentro não é e nunca será segura. Ela há de ser sensorial.
precipicioAtiçando os sentidos
Já vi vários atores e atrizes sucumbirem a essa falta de segurança exposta e tirar o melhor proveito dela, seja num olhar melhor, num improviso que provoque gargalhadas e que mantém o teatro mais vivo do que nunca, num escorregão que faz perceber que dói, que tem sangue correndo ali, que é vida (e não é só “teatro seguro”), um erro que provoca constrangimento,  uma emoção que faz a gente se arrepiar todo por dentro e provocar  lágrimas na senhorinha simpática sentada confortavelmente em sua poltrona ou no adolescente que lembrou de alguém querido ou distante.
Eu ainda acredito nessa alma teatral. Sou do tempo que um abraço é muito melhor do que uma cutucada no Facebook.
O tempo no palco também é uma questão. Questão de tempo!
O tempo aprofunda uma relação, o tempo distancia uma relação, o tempo provoca sono ou vontade, ou seja, é um provocador também, assim como o palco. Num espetáculo, o tempo é mais um personagem, aquele que fica ali espreitando e interagindo com nossas ações, falas, pensamentos, portanto, não pode e nunca deve ser ignorado. Ele deve ser estudado, porém nunca deve ser “marcado”. Ele provoca interesse, aumenta os planos de tensão, mistérios, amor, espera, ironia, raiva, riso, angústia. O tempo, amigos, é sim, o senhor do destino!
GALILEU 5Mergulho e entrega
Palco, ator e tempo caminham de braços dados num espetáculo. É possível, como elo de corrente que vai se afrouxando devido aos movimentos, que uma certa fragilidade e insegurança resolva dar as caras. É nesse momento, que a teoria de nossa linda atriz-artista lá do início da matéria perde total verdade. Seguro? Nem o de vida, que deveria chamar-se seguro de morte! (Desculpem, mas não perco a oportunidade de cutucar o poderio massificador urbano que ganha dinheiro sobre nossos medos).
Retomando. Portanto, caros amigos, a segurança é outra em teatro.
É estar ciente veementemente da vida interior do seu personagem, do texto externo e interno, das situações, do estudo em grupo, do processo em si, do respeito pelos amigos atores e técnicos, da importância do público, da dimensão do palco, isso sim deve ser seguro.
Segurança em teatro não está vinculada à segurança do palco.
O palco é o caminho mais divertido para se contar uma bela história. E aproveite se algo der errado, porque é mais delicioso um erro vivo do que um acerto morto!

TEXTO 3







VESTIR OU NÃO VESTIR, EIS A QUESTÃO



Por Admir Calazans *
Quando começamos a ensaiar um espetáculo, normalmente, nós, atores, ainda não temos uma concepção imagética do espetáculo, nem dos personagens, nem do caminho que vamos percorrer. Temos uma grande imagem que vai se estreitando e dando lugar a outras pequenas pérolas, que numa somatória vai se agigantando, dando origem aos personagens e ao espetáculo em si.
Nossos candidatos a protagonista nesta caminhada são os figurinos, os acessórios, a maquiagem, os quais – aliados à construção do personagem – dão origem a “Hamlets, Ofélias, Pucks, Capitus, Woyzecks e Neusas Suelis”, entre outros (me perdoem a licença poética de pluralizar esses nomes).
Paramentando-se do outroA proporção que um figurino dá a um personagem é similar a um copo se enchendo de água: num instante, o vazio se torna corpo cheio. Ele vem com uma vida ao personagem. E daí, podemos usar a imaginação sem limites para essa criação.
Um ‘Veludo’, de Navalha na Carne, não precisa, necessariamente, usar um shortinho jeans surrado e uma miniblusa feminina para mostrar que é marginal, afeminado, “hiper mega super surround bichinha encrenqueira”. Esse figurino pode ser um caminho, mas não precisa ser o final do arco-íris.
Navalha_na_carne_ROBE VERDE“Quando criei o meu Veludo (na montagem de Navalha na Carne – de Plínio Marcos – em 2010), comecei, nos ensaios, com um shortinho do exército e terminei num cafona robe verde, fruto de uma noite de amor paga com dinheiro roubado. Exalava perfume!”.
Mas a essência do personagem estava lá. Uma ação se torna muito mais verossímil quando um acessório é adicionado ao personagem, dando-lhe um ar de propriedade, de organicidade. Quando recebo um personagem, o recebo com gratidão, o coloco na mesa e proclamo uma lista de compras, vou fazendo um Raio-X completo, uma ressonância magnética.
Baseado no texto e nas entrelinhas (aliás, as entrelinhas, aquilo que não aparece no texto escrito, são as maiores descobertas nesse processo), eles podem trazer descobertas que fazem a diferença numa montagem teatral. Nesse momento, penso nos acessórios que comporiam esse personagem, vou testando, experimentando, sentindo, jogo em cena, alguns não funcionam, descarto!
Outros crescem, mudam de cor, de textura, são incorporados na composição. Viram acessórios de personagem! E eles são amados pelo personagem. Nós, quando gostamos de um óculos, não o usamos até aparecer outro lindo modelo? Acessórios devem ser sinônimos de amor material. Nada de usar só porque é “fashion” ou “muderno” ou bonitinho. É parte que serve para o público decodificar a sua necessidade. Eu, enquanto espectador, sou vidrado em acessórios, de brincos a sapatos, de lenços à anéis. Eu, enquanto ator, sou vidrado no personagem, na sua vontade ou necessidade de usar um sapato, um anel, um lenço, uma gravata, um crucifixo.
O rosto, tela em branco
Figurino e acessórios em mãos, chegou a vez da maquiagem. Dar, literalmente, uma cara ao personagem é de suma importância dentro da concepção teatral. Além de revelar muito da personalidade da pessoa, isso a situa no período histórico, na própria concepção do encenador. Há de se fazer uma pesquisa de maquiagem pelo tempo, quando falamos em caracterização teatral. O material é vastíssimo e o resultado é encantador e cheio de descobertas.
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No palco, descobrimos nuances do personagem pelo simples traço reto de suas sobrancelhas, uma costeleta bem alinhada e grande o leva diretamente aos anos 70, um batom vermelho pode revelar uma sensualidade ou ousadia maior.
Em Cats, acreditamos nos gatos lindamente maquiados, em estátuas vivas de artistas de rua (sensacionais), a maquiagem é, talvez, o maior expoente daqueles artistas. O que seria do Fantasma da Ópera sem aquela faceta? Neusa Sueli poderia ter uma maquiagem linda e sofisticada se estava chegando da zona em plena manhã de trabalho de vida fácil? Só não devemos confundir figurino com fantasia: figurino compõe, fantasia mostra.
Abre alas, o personagemNão há momento mais solene e revelador do que o momento em frente ao espelho no dia do espetáculo, quando nos enfrentamos olho no olho e vamos desmascarando o ator e dando passagem ao personagem. Esse momento é mágico. Para mim, é um ritual! Paro e penso! Concentro. É o poder da transformação ipis líteris, é o começo de uma outra viagem, uma nova vida, é bonito, é revelador, pode ser aterrorizante, pode ser feio.
MAIS ADMIR ROUPAUm filme passa pela minha caixinha cerebral, do início do processo à apresentação, lembro do texto, bato texto com meus amigos, segurando um lápis na mão. Colo um cílios, colo outro, já virei mulher? Ponho pancake branco, orelhas na cabeça, alongo a boca, ja virei macaco? Alongo meu cavanhaque, lápis branco nos olhos, bigodinho hitleriano, já virei Homem? Crio uma partitura para maquiar, vou devagar, erro, tiro, reaplico, me transformo. Sorrio. Estou pronto! O palco me espera com largos braços abertos para mais uma sessão.
Portanto, queridos atores e atrizes, amigos e amigas, carregar sua maletinha com maquiagem nova (porque maquiagem vence), seus pincéis, batons, lápis, brilhos e demaquilantes e tratar seu figurino como se fosse suas vestes é uma necessidade.
Uma necessidade deliciosa!
Indicações sobre o tema
Uma peça para ler: Navalha na Carne, de Plínio Marcos
Um filme: Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas, de Tim Burton
Uma peça para assistir: Vingança, de Anna Toledo e direção de André Dias (em cartaz até 29/6 no Teatro Sergio Cardoso, em São Paulo).
TEXTO 4
















TEATRO: O ENSAIO E SEU DUPLO



Ensaio: onde começa (é?) tudo - Cena de ensaio de "Fausto.Org" / USP. Foto: Águeda Amaral
Ensaio: onde começa (é?) tudo – Cena de ensaio de “Fausto.Org” / USP. Foto: Águeda Amaral
Por Admir Calazans*
(Parafraseando Artaud)**
Se existe um provérbio popular que é uma tradução literal de ensaio teatral, ele se apresenta assim: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”.
O ensaio é a válvula mais importante para encharcar o coração de vida, olhando pelo viés simbólico e metafórico, mas cheio de verdade. Esse menino – o ensaio – é o responsável pela transformação das intenções, vontades e olhares em solo feito, ação realizada e peça pronta. Mas ele não é o produto, é o processo, o corredor de acesso. Portanto, senhores e senhoras, esse processo além de saboroso, pode ser muito difícil, aliás, deve ser! (Difícil significa aquilo que não é fácil)
Da escolha do texto à leitura: ENSAIO
Original de “Lo sé todo”, de Alfredo Bao
Original de “Lo sé todo”, de Alfredo Bao
Quando começamos um projeto é no ambiente dos ensaios que começamos a conhecer mais de perto todos os componentes do processo envolvido – diretor, atores, técnicos, dramaturgo, entre outros. Geralmente, quando se faz a leitura de mesa, temos que nos comunicar “olho no olho” com nossos “novos familiares” (encare assim, é ordem!). Daí que sintonias começam a se desenhar. Tão importante nesse período é a sinergia que rola entre as pessoas. É um momento de conhecimento das personagens e atmosfera a ser criada.
Ainda não estou falando em jogos teatrais e partituras físicas, estou na sinergia e na audição. É um período de descobertas. Imaginem Pedro Alvares Cabral, o descobridor, quando avistou as terras brasileiras pela primeira vez, como reagiu seu lindo coração lusitano? Poderia ser uma terra linda cheia de natureza resplandecente e bela como seus olhos pregavam ou então, haveriam seres canibais que devorariam tua equipe inteira com vorazes dentes e unhas compridas.. É uma viagem rumo ao conhecido com percurso e destino desconhecidos. Ensaio é isso: um tema que precisa ser esculturado para dar uma bela obra.
Da leitura, vamos ao ringue: ENSAIO 2, a missão
Começamos com os jogos teatrais motivando os atores à uma integração com os parceiros, com o espaço, com as possíveis entradas e saídas, com as músicas e sons colocados, estrategicamente, para incitá-los à criação, as atmosferas de cena vão sendo criadas, improvisos, textos e subtextos, o não-texto.
Esse momento, para mim, enquanto diretor, é o meu olhar integral ao ator, as possibilidades que ele traz, que ele cria, se proporciona criar. Tirá-lo da zona de conforto e colocá-lo em xeque. Este momento não pode ser um suplício, tem que ser prazeroso. Instigo o olhar, o contato físico, a auto percepção, a percepção cênica, cores, visão panorâmica, visão periférica, frases desconexas, fragmentos do texto, um cansaço físico também é importante, necessário. É aqui que vejo o corpo e suas possibilidades aparentes. Depois um belo copo de água e um banheiro não é nada mal.
Para o ator, a fase de ensaios é sempre aquela sensação de estar sempre observado e, de fato, o é. Quando o ator chegar para o ensaio, se permita. Nessa sala, onde tudo pode ser possível, é o momento para se jogar, desnudar-se de suas amarras e aventurar-se frente ao desconhecido. Zona de conforto? Não, ela não é bem vinda nessa sala!
Nem sempre nossos anseios são atendidos e podemos sair arrasados de um dia de ensaio. Uma frase dita pelo diretor que martela minha mente, um olhar pérfido de um ator que não recebeu o que queria (olha o ego aí gente), uma ação que não acompanhou o raciocínio, levando a cena para o limbo, uma música que não entrou, um desafio questionado como lição de casa, um auto-questionamento. Lembro-me de ter ouvido cada coisa, que deixou minha semana pra lá de Zeca Baleiro:
- “Ando tão à flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar…”
Porém, sofria por uns instantes, uns dias, mas buscava em mim, qual mudança, qual caminho deveria tomar. Essa aflição faz parte da carreira, artistas! Tem ensaio, que tudo fluí, você acerta tudo e sai feliz da vida, bem ao estilo Balão Mágico: ” Sou feliz, por isso estou aqui….” É uma alegria……deliciosa! Você beija até o português da padaria (dá-lhe Zeca de novo). Mas lembre-se, não deixe a zona de conforto tomar conta de você. Às vezes, e muitas vezes, um primeiro acerto representa somente 20% da cena ideal e um erro representa 100% para mudança de atitude.
Outro item importantíssimo no ensaio é o comprometimento.
Do comprometimento ao ENSAIO 3, o herege
relogioAtor não comprometido é água entrando no barco. Uma hora afunda. Não tenho a menor paciência para isso. Se escolheu ser ator/artista, saiba que, juntamente com essa escolha, deverá caminhar com outros propósitos iguais ao seu durante todo seu percurso de artista. Seja num ensaio, numa apresentação, numa filmagem publicitária, numa reunião, num projeto artístico, comprometer-se com a equipe é uma honra! Problemas podem aparecer, mas, hoje, com tanta tecnologia não se deve deixar para mais tarde um aviso negativo. Já vi casos de ator que não foi ao ensaio porque foi pra praia, foi namorar ou, simplesmente, pegou no sono. Posso? Não! Não posso!
Horários e cronogramas são criados para serem obedecidos, texto é para ser estudado (não só lido), amigos atores também são estudados (observem as cenas deles, seus olhares, seus gestos…), as palavras do diretor devem ser ouvidas, não só escutadas, a equipe técnica é o olhar de fora, dê a devida atenção a eles, a ambientação deve ser estudada, os objetivos, a análise do texto nunca deve ser esquecida perante as horas acirradas dos ensaios, a atmosfera criada para determinada cena deve estar acima de qualquer expectativa. Isso é comprometer-se.
Costumo dizer o seguinte para mim e para a equipe que está trabalhando comigo: “O Teatro, essa arte milenar, o usa como instrumento para existir. Cabe à você, entregar-se a ele e embasar-se da emoção que lhe convier. Nunca pense que você usa o Teatro. Isso é ego. Isso é mostrar-se e Teatro não é mostrar-se. Teatro é vida. É agora!
ENSAIO 4, o prazer
“Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim….”, já dizia Carmem Miranda naquela bela e divertida canção. Assim entendo: quando você estiver jogado no campo minado, correndo todos os riscos de uma explosão surpresa, deixando teu corpo viver e rodopiar para todos os níveis possíveis, a mente viajar pelo caminho da imaginação, deixar-se desequilibrar, aproveitar os risos e pensar nos erros, chorar quando necessário, jogar com teus amigos, ouvir o diretor, ouvir os olhares de fora (mas nunca esquecer teus focos e estudos), entender que é no ensaio que se pode errar, que um acerto nem sempre é O ACERTO, que é naquele ringue que todos os questionamentos são colocados em xeque, que isso está intimamente ligado ao prazer. Daí, coração, ensaiar é e deve ser, um IMENSO PRAZER. O seu duplo.
Logo, água, mole, pedra, dura, bate e fura estão intimamente ligados ao ensaio. Reflitam e boa semana!
Indicações
  • Texto para lerUm Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams.
bonde_desejoUm Bonde Chamado Desejo é o retrato de uma sociedade decadente, personificada por Blanche DuBois, uma bela mulher que volta para a casa da irmã por não ter mais para onde ir. Com problemas, ela entra em confronto com o mundo rude e viril do cunhado, Stanley. Essa tensão, estabelecida entre o refinamento e a brutalidade, mostra uma família em ruínas num mundo em conflito, sem lugar para o amor e para a sensibilidade.
  • Peça para verCais ou da Indiferença das Embarcações
Direção Kiko Marques. A Velha Companhia conta a história de um cais, onde ocorrem encontros que perpassam outras gerações de uma ilha.
Está na Oficina Cultural Oswald de Andrade – Teatro anexo: R. Três Rios, 363 – Bom Retiro – Centro SP – Telefone: 11.3221-4704 – Entrada gratuita
  • Filme para verNoviembre
Noviembre é o segundo filme do diretor Achero Mañas. A película conta a história de um grupo de teatro de rua independente, liderado por Alfredo, um ator idealista que decide criar “uma arte mais livre interpretada com o coração, capaz de fazer as pessoas se sentirem vivas”. Partindo de um teatro abusado feito nas ruas, com denúncias sociais, simulações de atentados terroristas, entre outros. Parte do espírito de um documentário para intercalar depoimentos dos atores e a história do grupo. 
Ainda que o filme seja um falso documentário, as cenas das intervenções de rua foram gravadas de forma real, com câmeras escondidas do público. Fato que acabou imprimindo maior veracidade ao filme.
Noviembre tem muito de arte e pouco de comercial, ao contrário de muitos produtos que circulam atualmente, o que certamente o faz passar sem muito conhecimento e divulgação. Enfim, uma boa pedida para se rir, chorar, chocar, assustar e emocionar de forma mais sensível. 
https://www.youtube.com/watch?v=HiIoe0IEdTM

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TEXTO 5













SOM, LUZES, AÇÃO. E FUTEBOL!


Lá se foi a Copa do Mundo de futebol, com os europeus levando a taça pelas mãos do aclamado time da Alemanha, terra de Pina Bausch, coreógrafa alemã que reinventou a dança no mundo
Confesso que assisti a muito jogos, mas algo me incomodava – e muito. A cada queda, a cada pancada nas pernas, costas, cabeça, coluna – será que errei o esporte -, ecoava uma difamação ao teatro, dita por bocas famosas e anônimas:
“Fulano de tal, da seleção tal, não caiu, isso é teatro!”
“Para mim, é puro teatro! Olha a cara dele.”
“A mordida do atacante uruguaio não é teatro, é real!”.
Frases como essas demonstram o trato que temos pela arte? Um equívoco atrás do outro. Deixo claro aqui que teatro não é malandragem! E futebol também não é. Parafraseando o sambista Bezerra da Silva – “Malandro é malandro, mané é mané”.
Esta lição, os comentaristas e “entendedores” de futebol deveriam ter aprendido antes de sentar-se perante os meios de comunicação e falar sem pensar frente às malandragens do futebol. Palavras são importantes, são relevantes e devem ter sabedoria ao serem pronunciadas. A televisão invade nossos territórios, é um veículo importantíssimo para alastrar informações, certas ou erradas. Ela entra nas nossas casas pela porta da frente e pelo carnê das Casas Bahia. Cautela pouca não é bobagem, é sabedoria!
E viva a Alemanha que demonstrou ter ensaiado muito para não fazer feio no palco do futebol. (Qualquer semelhança não é mera coincidência).
Insisto, malandragem não tem nada a ver com teatro. Mas não vou ficar aqui divagando sobre o esporte futebol e a arte teatro. Capim dado, capim comido!
O nosso tema de hoje é luz e som.
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Despertando sentidosSob os holofotes criam-se atmosferas. Sob a sonoridade criam-se histórias.
Dentro de um espetáculo teatral, a iluminação é fator essencial. Quando vou a um espetáculo, fico olhando o cenário na penumbra, tentando descobrir coisas, histórias secretas que por ali passarão.  Bete Davis’ Eyes!
Como bom virginiano, observo tudo, procurando detalhes. E quando tem cortina, então, espero o abrir para desvendar o segredo do cenário. Abre devagar dona cortina, é tão melhor! Meu maior amigo nessas horas são os holofotes iluminando passo a passo o caminho que persegue a minha curiosidade. Tenho certo fascínio por iluminação.
Enquanto diretor, penso e concebo uma cena e já penso logo na luz. Ela se modificará no percurso, claro! Mas tenho um embrião na ideia original. No espetáculo, a imaginação me leva longe. Penso sempre grande e depois vou afinando à medida que o dinheiro não aparece ou que o teatro que nos recebe não tenha a estrutura adequada aos meus anseios. Mas ela – a iluminação – estará no meu pensamento. Sempre!
Ocorre que não sou um criador em luz, não sou técnico de luz e para isso existem os técnicos responsáveis, criadores invejáveis que nos auxiliam com seu olhar iluminado e coerente quanto à disponibilidade técnica do teatro. Tenho admiração e respeito por esse profissional. Eu tenho uma ideia que, debatida com eles, pode ser efetivada ou modificada.
A luz no teatro é plural. Ela pode somente ser a iluminação do ator, da cena, pode expressar uma atmosfera, uma nuance de tempo, realçar um figurino, realçar uma interpretação, diminuir uma ação, trazer um suspense, dar importância a um objeto, entre outras responsabilidades.
Conclusão: a luz faz parte do show.
Percepções do ouvirParalelamente à luz, temos a sonoplastia. Essa amiga íntima da luz, quase sempre caminha lado a lado com a iluminação. Hoje em dia, nos espetáculos desse mundo afora, esse casal sempre aparece para mostrar sua cara, de mãos dadas e abrilhantar ainda mais a peça, o show, a arte-perfomance.
sonoplastaJá vi e fiz espetáculos nos quais a música ilustrava uma cena, outra que indicava uma cena, outra dublada pela voz do ator, outra cantada pelo ator, outra premeditava uma ação, premeditava um encontro ou desencontro, um silêncio sonoro gritava aos meus ouvidos, um rock ‘n roll pesado me tirava o cansaço, barulhos de tambores anunciavam festa da floresta. Isso é sonoplastia!
Imaginemos a seguinte ação: uma menina espera alguém numa casa, sentada no sofá. O tempo passa num relógio digital. Na pia, o tempo se faz em gotas de uma torneira mal fechada.
Há sonoplastia? Interfere no espectador e no ator esse compassado barulhinho de gota caindo? Se, à medida que vai passando o tempo, esse ambiente vai ficando mais escuro ou mais claro, há iluminação? Ela interfere no espectador e no ator? Essa menina continua com a mesma intenção do início da cena?
Então, daí que a luz e a sonoplastia tem maior impacto quando transformam o espectador e o ator, tornando tudo muito mais interessante e provocando nossos instintos e curiosidades.
Diferente da iluminação, quando penso num espetáculo, numa encenação, não tenho uma sonoplastia de imediato. Ela vai aparecendo à medida que as ações vão sendo desenvolvidas. Posso até ter uma melodia, uma música, um barulho na cabeça, mas não é essa sonoridade que vai desenhar a cena. Para o meu processo, caminham separadas e depois se encontram. O encontro das artes!
Pode acontecer de partir de uma música, por exemplo. É um caminho, um método. Faço isso em cenas que, por algum motivo, estão empacadas. Descartei, muitas vezes, músicas e sonoridades inteiras porque não encontrava uma liga entre ator e cena.
Se o ator não sente essa sonoridade, ela acontece pela metade. Então, eu prefiro começar tudo de novo. E começar, amigos, é um bom petisco para um belo jantar! Ah, e teatro não é malandragem. Tenho dito!
*********** Indicações
Texto para lerNovas Diretrizes em Tempos de Paz, de Bosco Brasil
cartazDIRsdA peça teatral se passa durante a ditadura de Getúlio Vargas, já no final da Segunda Guerra Mundial, e narra a história de um judeu polonês refugiado de guerra.
Tentando conseguir seu visto de entrada no Brasil, acaba interrogado por um agente alfandegário e ex-torturador da polícia política de Vargas na sala de imigração do Porto do Rio de Janeiro, em abril de 1945 – gerando um grande embate ideológico sobre a condição humana e os horrores do preconceito político e racial em que cada oponente procura buscar e negar suas diversas identidades.

Peça para ver
Adormecidos, de Bob Fosse
No texto do dramaturgo norueguês, real e imaginário se mesclam e se valorizam. A imagem refletida no parceiro pode ser sua própria aflição? A montagem, com faixa indicativa para maiores de 14 anos, está em cartaz no Espaço Sátyros 1, em São Paulo (informações fone 11.3258-6345). A direção é de Rodolfo Gárcia Vásquez.
Filme para verPina, de Win Wenders
Pina é um documentário alemão em 3D lançado em 2011 e dirigido por Wim Wenders. Belíssimo, conta em dança a obra da bailarina e coreógrafa alemã Pina Bausch.

TEXTO ESPECIAL










ARIANO SUASSUNA, O QUIXOTE DO SERTÃO



Que triste! Que triste! Esta semana perdemos um pedaço do nosso Brasil: Ariano Suassuna, paraibano, dramaturgo, escritor, poeta, morreu em Recife em decorrência de um AVC. Homem da arte, homem do Brasil, nosso último grande dramaturgo.
Auto da compadecidaSuassuna deixa um legado que muito foi apreciado em vida. Suas peças foram diversas vezes encenadas por esse Brasil afora, com variações de montagens, mas com a mesma peculiaridade do nosso mestre. Suassuna invadiu o cinema. Trouxe João Grilo, Chicó e toda a sua majestade do Auto da Compadecida para deleite de nós: espectadores adoradores e curiosos.
A televisão  nos beneficiou com especiais baseados em suas histórias ditas em linhas impressas em livros que colocavam como protagonistas, personagens adoradores da cultura popular.
Nosso “Quixote do sertão” era um “sabedor” da nossa brasilidade. Em seus textos, o personagem popular sempre transitava entre o sonho e o trágico, buscando um sentido simples para sua vida em idas e vindas, conquistas e perdas, em jogos de guerra e de paz.
Quando garoto ainda, no colégio, fiz uma montagem de “Auto da compadecida” fazendo o papel do diabo, personagem da trama. Naquela época, já havia percebido que aquela história era uma grande história, que deveria ser contada ao mundo, pois tinha um enriquecedor conteúdo da cultura popular que Ariano Suassuna tinha dentro de si. Fico imaginando que quando Suassuna escrevia seus poemas, livros de ficção ou peças teatrais esses personagens (vivos na obra) saltavam de seus pensamentos, invadiam seu corpo e o tomavam por morada,  tomando as mãos com a caneta para escrever tão belas e traçadas linhas. Acho que ali, naquela segunda peça da juventude, decidi parte do meu destino. (E eu era um garoto que amava os Beatles e os Secos e Molhados).
Gratidão Suassuna!
Com a sua morte ficamos órfãos. Órfãos de cultura popular e da simplicidade da comunicação, de humor refinado brasileiro com um linguajar popular.  Suassuna agora olhará por nós de outro plano ainda indignado com a rapidez da informação moderna que distancia-se da arte, pois essa, precisa de dedicação exclusiva e olhar demorado. A arte não está no computador. A arte está no interior da alma humana.
Difícil separar os personagens e Suassuna. Difícil separar extensa obra e Suassuna. Difícil separar a cultura popular e Suassuna. Difícil separar Brasil e Suassuna. Difícil é separar de ti ó mestre!
ariano3Vai queridão, que droga, Caetana chegou! Mas lembro de uma frase sua em entrevista dada a Geneton Moraes Neto, do Globo News: ” O homem não nasceu para a morte, nasceu para a vida e imortalidade“.
Que genial é você Ariano Suassuna! Sentiremos saudades!

ObrasUma mulher vestida de Sol (1947)
Cantam as harpas de Sião ou O desertor de Princesa (1948)
Os homens de barro (1949)
Auto de João da Cruz (1950)
Torturas de um coração (1951)
O arco desolado (1952)
O castigo da soberba (1953)
O Rico Avarento (1954)
Auto da Compadecida (1955)
O casamento suspeitoso (1957)
O santo e a porca (1957)
O homem da vaca e o poder da fortuna (1958)
A pena e a lei (1959)
Farsa da boa preguiça (1960)
A Caseira e a Catarina (1962)
As conchambranças de Quaderna (1987)
Fernando e Isaura (1956) – inédito até 1994
Livros/Romances/FicçãoA História de amor de Fernando e Isaura (1956)
O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971)
História d’O Rei Degolado nas caatingas do sertão/Ao sol da Onça Caetana (1976)
PoesiasO pasto incendiado (1945-1970)
Ode (1955)
Sonetos com mote alheio (1980)
Sonetos de Albano Cervonegro (1985)
Poemas – antologia (1999)

TEXTO 6











MAS POR QUE DIABOS QUASE NINGUÉM MAIS VAI AO TEATRO?


O teatro mudou seu ritmo de apresentações de alguns anos para cá. Há pouco tempo, saiu uma matéria no caderno Ilustrada, da Folha de S.Paulo, que dava voz a produtores para tentar encontrar uma explicação, um caminho, para o encurtamento de temporadas teatrais nesses nossos tempos modernos.
Com base na reportagem, decidi ouvir o público que vai ao teatro e que costuma se manter antenado às badalações teatrais desta Sampa querida. Utilizei a plataforma do Facebook, em minha página, para captar os comentários de quem quisesse se pronunciar sobre o fato.
Curiosamente, muitos foram os motivos abordados e ranqueados como ‘causadores desta dor’, digamos assim. A diminuição do tempo do espetáculo em cartaz é também algo a se levar em conta, lembrando que  antigamente, mas não tão antigamente (rs), tínhamos temporada de quinta a domingo nos teatros paulistas. Hoje, porém, isso não ultrapassa dois meses.
O que será que acontece para essa evasão de público nos teatros? Seguem os motivos questionados.
imagem1 – O Dinheiro
Certamente, este é um dos motivos maiores. O poder aquisitivo tem diminuído, daí a valorização de outras coisas, como a balada favorita, a marca de tênis preferida ou comer na esfiharia do bairro. Concordo que um espetáculo a R$ 80 não cabe no bolso de muita gente.
A pergunta que fica é: e os espetáculos gratuitos e com preços populares? Mede-se a qualidade do espetáculo pelo preço que se paga? Pelo ator famoso? Porque é musical? Porque é padrão Broadway? Porque o encenador é aquela celebridade que ninguém entende nada da sua obra, mas que acham lindo? Teve até opiniões que mediam o tempo de peça X valor do ingresso. Se for pagar caro por pouco tempo, não vale a pena. Mas qual o quê! Teatro por quilo? Lembrei de um projeto muito bom que rolava aqui em São Paulo chamado Teatro a La Carte, onde uma trupe (Cia Santa Víscera) saia pelas ruas oferecendo cenas de teatro num cardápio. Coisa linda!
2 – O Senso Crítico
Interessante. À medida que deixa de nos instigar, o teatro perde força perante a nossa vontade. Os espetáculos encolhem a temporada porque as pessoas não querem raciocinar e deixam de ir ao teatro. O olhar do espectador está mal acostumado. Há quem culpe até os DVDs piratas por isso. A internet também vira vilã, porque nela tem de tudo. Senso crítico é olhar e pensar e criar opinião. Tem gente com esse tipo de cansaço? Tem. E isso distancia o público.
3 – População Velha
Uma grande amiga diz que a população acima de 60 anos não sai de casa depois das 17 horas. Fiquei pensando nisso. Fiquei pensando nisso. Fiquei realmente pensando …… nisso! Prefiro acreditar que pessoas acima dos 60 não saem de casa porque valorizam a família e acabam por deixar as sessões de teatro. Matinês? Hmmmm. Para uma cidade como São Paulo, acho difícil. De dia, o povo quer é parque. E smartphone!
19844 – A Mídia
A mídia televisiva influencia demais as pessoas. Não há propaganda de peça popular, de teatro alternativo, nem de teatro de qualquer modalidade na telona. Somente acontece quando o produto da casa (atores ou produtora) estão no pacote, daí a gente vê e lê: “o teatro e você”! Pura blasfêmia, não é? Televisão é dinheiro e teatro não tem dinheiro – a não ser que…..(item 5).
5 – O país dos editais
Fazer teatro neste Brasil virou negócio. O país da “editalização”. É um tal de faz projeto, e aprova projeto, e desmerece projeto, e não passa projeto. Quanto pelo em ovo achado. Quanto tempo desperdiçado! Daí que alguns conseguem verba dos mandatários do país do Carnaval e fazem umas melecas de espetáculos para comprovar a bosta do projeto aprovado por edital, querendo se apresentar em teatros de status social a preços baratos: R$ 80! Segundo a reportagem mencionada, os produtores têm medo de manter os espetáculos quando acaba o dinheiro investido. O público vai? Só aquele sem senso crítico e os convidados. Parece pastiche feito para inglês ver. Shakespeare iria rir em alto e bom som!
Cadê a mão na massa? Somos o país dos grupos e coletivos teatrais. Por nós já passaram Asdrúbal Trouxe o Trombone, Pod Minoga, Pessoal do Vitor, Mambembe, Ornitorrinco, Cia dos Atores, Vertigem, Oficina, Sútil, entre outros, que nos trouxeram verdadeiras pérolas e obras primas. Cadê os incentivos que não precisam de edital? Edital é mesmo caminho rumo ao desconhecido. Um dia chega, mas muitos ficam pela estrada afora.
Os espaços alternativos recebem espetáculos teatrais de maestria cultural e que pegam no boca a boca dos amigos. Esse é um excelente caminho para o aumento das temporadas. Em time que está ganhando não se tira ninguém. Mas teatro não é feito para o público em geral, com funções como a transformação e o divertimento do indivíduo? Tem espetáculo que parece feito para os amigos, para a classe artística, para ficar bem no Facebook. O papel da criação do espetáculo DEVE ser repensado. O buraco é mais embaixo! O que tem de produção preguiçosa por aí. Vixe! Penso: um baita trabalho para decupar um texto, ensaiá-lo – e fazer um mês de apresentações. Ah, que triste! Melhor comprar um tênis de R$ 80. (Ah, peraí,  esse não existe)!
É uma máquina cíclica. Preguiça, dinheiro fácil, projeto, teatro, um mês de comprovação que fez. O público pouco importa. A satisfação pessoal pouco importa. Um excelente trabalho pouco importa. O que importa mesmo é bater no peito e dizer ‘Estou em cartaz!’. Oh, triste ironia.
6 – O trânsito
Até aqui esse coitado leva culpa por falta de vontade. Já dizia o mestre Geraldo Vandré, “Vem vamos embora que esperar não é saber, Quem sabe faz a hora não espera acontecer”.
É, e lá vou eu mais uma vez!
Em tempo: participaram da minha pesquisa no Facebook os amigos Ana de Castro, Kleber Gutierrez, Clóvis Nery, Denise Carmem dos Santos Longo, Marli Pereira da Silva, Jones Gomes, Valéria Pelosi, Adri Silva, Roberto Santos, Apollo Faria. (Obrigado queridões, com louvor!).
(Aliás, alguém sabe me dizer o que significa quando uma pessoa curte uma notícia ruim no FB? Ela gosta da notícia ou gostou do post? Uma amiga perdeu a mãe e postou. Tinha mais de 100 curtidas. Quase entrei em depressão. A velha devia ser uma jararaca! Humor negro).
Beijos e queijos, meus amores!

TEXTO 7









EMOÇÃO: UM TERMÔMETRO PRONTO PARA EXPLODIR


Como entender a emoção, visto que ela não é um material racional – pelo contrário, irradia por nossas artérias e se aloja em algum lugar do corpo. No meu caso, ela vibra bem atrás da sétima vértebra cervical, provocando um congestionamento de sensações que arrepiam, que lacrimejam os olhos, que provocam o riso, que me tiram do momento como se fosse um êxtase extremo. É uma sensação que faz sumir o chão e pode causar o choro copioso ou o riso desopilador de fígado.
A emoção que te leva ao choro: essa uma velha conhecida de quem é sensível à arte e à vida.
estaNo último dia 23 de agosto, no Teatro Fernando Torres, dentro do XV Festival Nacional de Teatro de Guaçuí (Espírito Santo), eu me deparei com esse estágio da emoção quando assistia ao espetáculo “Um minuto para dizer que te amo”, da Trupe Cara & Coragem, de Cabo de Santo Agostinho, do lindo, arteiro e artístico Estado do Pernambuco.
Tendo como tema principal o amor incondicional, o espetáculo percorre o tempo como se fosse sangue invadindo nossas veias, incrustando vida em pedacinhos do corpo que talvez desconheçamos, nos fazendo rir do ridículo de não entendermos a dor e nos fazendo acreditar que a vida é bela, que o caminho é tortuoso, que a morte é destino certo, que existem parcerias de pessoas pelo rápido caminho do viver, que a memória pode ser um copo de milkshake ou um suco simples de pacotinho. Se isso tem importância? Depende do estágio da vida.
Ah, mas que atores entregues ao Teatro e que nos fazem chorar internamente numa quase explosiva angústia feliz! Cheio de momentos fortes, densos, delicados e precisos, os atores Luiz Navarro e Fell Silva atingem nossas emoções, acompanhados da perfeita direção musical dos mestres Zé Caetano De Moraes e Nice Albano – que nos elevam ao sabor da vida com uma união deliciosa de vozes, instrumentos e preciosa precisão. Eles não aparecem em cena, mas estão lá. Sim eles estão lá! Um primor. Um deleite! Fui atingido, e contemplado pelo Teatro novamente! Que bom! Jailson Vidigal, o maestro diretor do espetáculo, carrega consigo uma grande dose de sensibilidade e acredita em sua obra e no texto de Luiz Navarro.
Trupe Cara & Coragem, que prazer conhecê-los! Deveriam distribuir caixinhas de lenços ao final do espetáculo. Que audácia a vida me proporcionou. E justamente, quando no último artigo aqui no Kultme, me disseram que não iam mais ao teatro porque ele estava muito chato. Ironia? Não! Isso é ato comprobatório quando se acredita no Teatro. De uma forma ou de outra, ele vai te mostrar um indício que tudo vale a pena.
Por essas questões é que, independente da discussão científica da qual acredito e não discordo, a emoção é sangue quente correndo nas veias, atravessando os sentidos e provocando choro, arrepio ou sorrisão.
Vem bonita emoção. Vem! O Teatro agradece tua presença.
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Indicação
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  • Texto para ler: Solness, o Construtor, de Henrik Ibsen
urlDrama teatral em três atos escrito e publicado pelo dramaturgo norueguês Henrik Ibsen em 1892 e encenado pela primeira vez em 19 de janeiro de 1893 no Lessinger Theater, em Berlim.
Conta a história de Solness, um homem velho que atrelado a uma esposa doente é tentado por uma jovem. A peça traz densos diálogos que expõem a luta entre a velhice, com ou sem sabedoria, e a juventude, promissora ferramenta de delícias ou desastres.
Encenada em palcos de todo o mundo, a obra de Ibsen recebeu a primeira tradução no Brasil em 1944.

TEXTO 8





JUVENTUDE E TEATRO – DELICIOSA ATRAÇÃO


Eu nunca me dei por vencido pelos anos que chegam e aos que vão. Construir um universo sólido com pegadas de tartarugas fincadas no chão e com imaginação apurada sempre foi o meu alvo de vida. Recorri a ele quando aceitei trabalhar com crianças e jovens. E melhor, ofertando um bocadinho da arte do teatro para eles, dentro de um conceito de assistência social e não cultural. Assim foram e estão sendo os meus dias.
hamlet“A imaginação o leva a qualquer ousadia” e “Ser ou não ser, eis a questão” são minhas frases de cabeceira, logo, Shakespeare é meu autor preferido, certo? Corretíssimo! É clichê? Pode ser. E eu adoro clichês.
Aos jovens, essas frases trazem questionamentos e isso é o que me impulsiona como arte-educador, professor, oficineiro, articulador, babalorixá, tanto faz. Um título é só um título, uma ação é uma ação. É fundamento que determina traços de caráter, de personalidade, de um lado B do bem ou não.
A juventude hoje se apresenta solta, cheia de opiniões formadas sobre tudo, como dizia o mestre Raul Seixas, porém, fragiliza-se na exposição.
Expor-se sempre é um ato delicado, pois pode significar descoberta dos segredos mais íntimos, de conceitos ignorados, preconceitos velados, timidez, vergonha, um grau de dificuldade de ler, uma preguiça de pensar, de fazer – “Não quero, pular, professor”, “Não vou fazer!”, (com uma liberdade ímpar), “Ah, professor chega!” (com um cansaço que nem enverga o ombro), “Ah professor, vou tomar água.” (Nossa! Pelo tempo deve ser um garrafão de 5 litros). Tudo para fugir da exposição.
Onde está o viço da nossa juventude hoje? Onde consigo enxergar suas potencialidades? Como conciliar vontade de ser com querer ser? Querer está tão longe de poder? Como desvincular um aparelho celular de uma aula de teatro sem ser taxativo com esses jovens que têm um olhar apuradíssimo?imaginacao
O jovem quando decide fazer, ultrapassa os seus limites e vai pra cima, é participativo, nos faz levantar os olhos em atenção às suas ações, é perspicaz, corajoso e desbravador.
Preguiça e perspicácia, eis a questão! Como entender essa dualidade jovial, como trabalhar esses dois lados e encontrar a potencialidade repousada nesses corpos. O que tem me encantado é justamente esse desafio de me aproximar pelo teatro, levando-os ao jogo teatral, aos instintos que dissecamos nos improvisos e nos medos, angústias, anseios e “não querer” deles mesmos. Isso me instiga! Isso me fortalece!
E fico feliz de poder usar a pulga – o teatro – que resolvi “cultivar” na parte mais quente do meu ser – meu coração – para impulsionar a criação nessa galera pra lá de moderna.
Venha juventude! Se entreguem ao ringue do teatro, que a luta será de paz! Navegar é preciso, viver não é preciso. Mas é delicioso.
Evoé!
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Indicação
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  • Livro para ler: A Aurora da Minha Vida, de Naum Alves de Souzaaurora
O livro conta a história de alunos de uma escola. Eles não tem nome e sim características, que se deflagram mediante as aulas que acontecem. É juventude exposta!


TEXTO 09



TUDO PODE ACABAR EM PIZZA, MAS TEM UMAS RECHEADAS!



O Brasil dividido. Ouvimos e ainda estamos ouvindo isso não é? A questão política está aí, com briga de foices e palavrões, o vermelho e o azul dispararam nas pesquisas e nas inconsequentes brigas dos seus torcedores e o resultado foi a tal divisão. Divisão por três não existe! Esqueceram que tem  uma galera que resolveu curtir a praia ou não quis participar dessa briga de pessoas tão pouco interessadas em cidadãos? A porcentagem de abstenções e nulos foi grande, uma barbaridade, tchê! Mas ninguém fala disso. Já são réus! Ter a opinião de não querer votar já o coloca como o cidadão com direito de NÃO RECLAMAR! De-mo-cra-ci-a ou DEMO-cracia.
voteE os artistas? Fiquei com vergonha alheia. Apologias à parte, que ataque vultuoso! Gente que gostava de tal cantor, passou a odiá-lo porque ele votava contra o seu partido de cabeceira (descoberto só no período eleitoral). O ator ou atriz preferido de vários lindos trabalhos no cinema, teatro ou TV, passou a ser chamado de babaca, traidor, reacionário, ator de merda.  Se eu estivesse com os deuses do teatro, com certeza, estaríamos tomando uma rodada de tequila!
Incompreensão ou compreensão? A crueldade tomou conta da mídia, das redes sociais, das mesas de bar, das casas e empresas. Era prazeroso rechaçar o inimigo, ofendendo tudo ao seu redor. Vi pobre xingando pobre de pobre burro. Justo um pobre que odeia rótulos. Teve um que falou que todo paulista tem que se foder porque não tem água e  votaram no azul. Não tenho que me foder não! Sou paulista e voto em quem eu queira, rosa, verde, amarelo, roxo, ocre, preto. Reflexo! Puro reflexo da falta de raciocínio. Show de horror!
brasilAh, ia me esquecendo, o pior de tudo é que os candidatos nunca falavam de cultura, só pinceladas ao longe, nada embasado, determinado, enviesado. Por isso que não entendia essa batalha entre as pessoas e entre os artistas. Enfim, observo, porque sou somente eleitor com direitos e deveres, não sou amigo e nem tenho conchavo. Ainda continuo gostando do artista que toca minha emoção independente se é vermelho ou azul e que as pessoas prevaleçam ante a guerra dos podres poderes.



TEXTO 10



ABRIR UM GUARDA-CHUVA É….



Trabalhar com teatro para crianças é uma arte pra lá de empolgante e repleta de  questionamentos. Em Agosto último, estive no XV Festival Nacional de Teatro de Guaçuí, no Espírito Santo, com meu espetáculo “Do Alto do Seu Encanto”, pela Cia Xifópagos, direcionado para o público infanto-juvenil.  No dia da apresentação, a sala estava lotada de crianças, pois ônibus levaram a garotada de algumas escolas. Eram 14h de uma tarde ensolarada. Alegria geral!
admirO espetáculo foi muito animado. Nessa montagem temos uma participação maciça do público, pois é possível uma identificação com a criança que sonha e que se diverte com seu mundo imensamente particular e o elenco provoca isso. O espetáculo era muito longo para aqueles pequenos, disso tive a certeza naquele dia, mas ninguém dormiu. Pelo contrário, as crianças se divertiram e participaram. Um espectador disse: Vocês deveriam abrir mão abrir da quarta parede! Outro disse que deveríamos ser mais real, não mágico em excesso. Outro disse que as crianças participavam demais. Um jurado não entendeu uma cena, questionou e deliberou. Não entendeu mesmo! Teve um que disse: Gostei da metáfora!
Taí, pensei, plantei um olhar adulto e isso me deixou na paz. As crianças foram para casa, talvez nem lembraram mais, talvez ficaram algumas horas falando algo, talvez não. Até porque esse lado do desconhecimento nosso do olhar do público é fascinante, questionador, aguçador da nossa curiosidade, mas nunca deve ser ditador. Nós, atores, não temos essa verdade da opinião e gosto do outro. Nunca dá para saber qual semente você plantou. Aí é que é mágico. Aí é que é encanto. Um guarda-chuva aberto significa um milhão de coisas e um fechado também.
fotoSei que no teatro real, no momento, eles se divertiram. Eu gosto quando o agente transformador do teatro não fica evidente, quando o seu efeito pode ser sentido horas ou dias depois. Então acredito que, fazer teatro para crianças e não se deixar cair na zona de conforto, no certo e no errado, como isso fosse a salvação do mundo, é de uma generosidade com o teatro e com as cabecinhas em crescimento, imensa. Isso pode estar lá, no espetáculo, mas deixe a imaginação brincar com esse caminho. Um olhar adulto cristalizado é a nota mais baixa da sala de crianças se divertindo com histórias contadas.
Desta experiência fui trabalhar com atores-crianças. Aprendizes de feiticeiro! Eles passam do racional para o mental/corporal tão rapidamente que o adulto se perde nessa roda e, se não embarcar na graça do trabalho, fica achando que não entendeu. E não entendeu mesmo! E adoram brincar. Brincar de Branca de Neve, de Orfeu, de Alice no País das Maravilhas, de mamãe, de doutor, de roda, de ser criança, de não querer fazer/ser ator. Testam o seu olhar! E te corrigem quando não se presta atenção ao que eles falam. Eles têm memória de elefante. É uma grande experiência trabalhar com os pequenos, daí a gente vê o quanto de veracidade há naquela frase clichê “Nunca perca sua criança interior”. Eu diria “Brinque com sua criança interior! E observe com atenção as outras.” O resultado, fatalmente, será bem delicioso.
admir encantoUm depoimento: “Outro dia, uma criança de 8 anos, fantasiada de bruxa, estava na fila de maquiagem, me esperando para traçar suas linhas. Na sua vez, ela diz: “Me deixa bem feia! Porque eu sou bruxa e bruxas não são belas.” E as outras crianças querendo ser fadinha bonitinha, pensei. Ganhei o dia!
Indicação
    pluft
  • Livro para ler: Pluft o Fantasminha, de Maria Clara Machado
Pluft é um fantasminha tímido que tem medo das pessoas, até que um dia ele conhece uma menina. Maribel foi seqüestrada pelo marinheiro Perna-de-Pau, que a escondeu na casa onde moram Pluft e sua família. Para ajudar a menina a se salvar, o fantasminha se envolve numa história de caça ao tesouro, piratas e muita aventura.
Pluft, o fantasminha, é uma peça de teatro que foi encenada pela primeira vez em 1955. Depois, Maria Clara Machado decidiu contar essa mesma história em prosa, que nesta edição vem acompanhada das belas ilustrações de Graça Lima.

TEXTO 11
O Abajur

Era uma vez um simples abajur que iluminava muito bem a cabeceira da cama suja do casebre no meio do mato. Cumpria sua função com tamanha destreza que, até quando a energia faltava, ele demorava algumas horas a mais para adormecer no escuro, esperando um novo sopro da luz. Fazia isso sorrindo, sabia que era um ciclo. Um dia da caça, outro do caçador, falavam. Ele, assim, não acreditava. Dizia para si mesmo: assim é o que lhe cabe bonitão!
abajurE nesse vicioso jogo da vida, o abajur cumpria sua rotina.
Um belo dia, seu dono, que evoluía na vida, resolveu trocá-lo. Pegou, com todo cuidado, o abajur no colo e o embrulhou em papel pardo, e o repousou dentro de um caixote.
Uma luminária agora iluminava o quarto da cama limpa da casa na esquina da rua e encantava a todos os presentes com uma bela luz irradiante. Certa vez, faltou a luz, exatamente na hora de assinar um importante documento de compra e venda. A luminária calou-se! O documento não foi assinado. O negócio não foi fechado. Prejuízo!
O dono da luminária lembrou-se do abajur e blasfemou contra a luminária e a trocou. Enrolou com todo o cuidado a luminária num jornal velho e a colocou no mesmo caixote ao lado do abajur, que agora tinha alguém para conversar.
O mais novo membro da casa agora era um lindo e majestoso lustre de 30 lâmpadas, que iluminava a sala da maior casa da avenida principal da cidade. Todo mundo encantado com o lustre e o dono da casa vivia sorrindo com tantos apontamentos e bem dizeres. Era uma alegria. Não se lembrava de mais do abajur e nem da luminária que continuavam enroladas no caixote, esquecidas e felizes.
luzCerto dia, sob uma forte tempestade que assolou a cidade, o lustre não acendeu. O toque de emergência iria durar alguns dias. Ao anoitecer não se via um palmo à frente. Era uma escuridão de dar dó!
O dono do lustre lembrou-se do abajur, o retirou da caixa e o ligou na energia, sem esperanças, claro! Para sua surpresa, a luz clareou o ambiente. Ele sem entender nada, questionou-se. O que está acontecendo? Esse velho abajur funciona onde nada funciona? A cidade está recuperada? Foi até a janela e era um breu só.
Nesse momento, todas as 30 lâmpadas do lustre acenderam e até a luminária deu o ar da graça. Tudo ficou iluminado. O homem, sem entender nada, só gritava, absorto nos seus questionamentos sem entender o que acontecia.
Naquela noite, uma grande casa da avenida estava toda iluminada frente a uma escuridão sem fim. Era lindo! Dentro dela, um grito que nunca parava.
casaNa arte do teatro, nunca deixe de lado a sua referência, pois ela é a base de uma boa história a se contar. Referência está intimamente ligada à sua história de vida e é a responsável pela luz interior da sua montagem.
Lembro-me de uma entrevista com o saudoso e talentoso Paulo Autran que dizia assim “Todos temos as personagens dentro de nós, cabe a nós, atores, buscar essas referências no baú dos nossos sonhos pessoais”.
Indicação
  • Livro para ler: O Rinoceronte, de Eugène Ionesco
rinoceronteUm rinoceronte aparece numa cidade indefinida sem maiores apresentações. Há surpresa, mas a vida continua. Então aparecem outros rinocerontes e a notícia toma conta da cidade, causando um verdadeiro caos de informações sobre os tais rinocerontes, que podem ser humanos se transformando nos animais selvagens. Todos passam a apreciar a moda de ser rinoceronte. Estranho seria o aspecto humano, presente em Bérenger, humilde funcionário que, ao notar que algo está errado nesse comportamento, critica a atitude de seus concidadãos e luta contra esse feito.
Em O Rinoceronte, peça de Eugène Ionesco (1909-1994), romeno radicado na França, a uniformidade da sociedade burguesa, a submissão ao poder e a distorção da razão são os temas centrais. Escrita em 1959, a obra é uma crítica ao estado de alienação ou de fanatismo coletivo em que caíram as sociedades modernas. Para alguns críticos, a neurose coletiva e contagiosa seria uma sátira ao fascínio irracional que levou, por exemplo, milhões de pessoas a aderir ao nazismo. Outros acreditam que o espetáculo é uma condenação a toda forma de governo totalitário.


Texto12

A vida só é vivida, quando envolvida pela vida de outra vida

A palavra pela palavra fica usual. Em teatro, a palavra há de ter uma infindável carreira de filhos, netos, bisnetos e descendentes, a ponto de virar uma linda árvore genealógica. Quanto mais significados amplos e correlatos à palavra, maior será a sombra do pensamento que isso representará para o seu personagem.
significado das palavrasUm pouco difícil de entender? Pode ser. Pego então, um outro caminho: Você vai montar um espetáculo, esquete, performance, número, o nome você queira dar. Os caminhos e percalços todos nós já conhecemos. O tema é: Solidão! Primeiro passo: Entender o que possa vir a ser solidão, todos os conceitos “dicionariescos”, todos os tipos de solidão, onde ela se dá, quando ela se dá, tem cor, tem estado, tem atmosfera, tem sombra, tem trilha sonora, tem lado B, quem são os personagens que passam por essa bendita solidão. É necessário descobrir a solidão em você, é necessário conversar com essa solidão. Entende que a árvore genealógica é grande?
Outro dia estava eu e um outro aluno de 14 anos na sala de aula. Só nos dois, um notebook, uma caneta, uma mesa, uma garrafa de água de tampa laranja e um desenho de uma aparente moça. Digo a ele, vamos brincar de destrinchar uma ideia? Olhos grandes curiosos me olharam e entendi um sim. Minha pergunta: Esta garrafa de água mostra o que para nós?
praiaRespostas: uma garrafa de água, alívio do calor, hidratante, uma moça na praia, refrescar, sede, a tampa parece um sol, dentre outras. Daí indico: Então se fizermos uma cena de uma moça na praia com um sol escaldante se refrescando numa paz absurda tá valendo?
Olhos grandes curiosos me dá um sim como resposta. Pergunto: E a garrafa? Cadê ela? Digo que não precisa, porque já está lá, destrinchada na nossa ideia inicial. Logo, engato a ideia de que é preciso refletir, é preciso sair do lugar comum do olhar. É preciso compor no grande para depois esmiuçar, destrinchar.
No fazer teatral é assim. Quanto maior inserção nas ideias, fragmentando-as em pedaços, mais forte fica no todo, mais vivo fica a vida. E teatro é vida!
teatro vidaApós esta preliminar (dizem que as preliminares sempre são muito eficientes, rs), é necessário usar o corpo (ops não é sexo, é teatro). Preencher todos os lugares do corpo com essas informações vai nutri-lo de sabedoria e proporcionar um corpo repleto, não completo. Em teatro não existe completo! O seu personagem vai agradecer por essa prática de Jack, o destrinchador! Vamos por partes, honey!
Aos leitores do Kultme e amigos, um feliz ano novo! Que as linhas da cultura estejam abertas para as experimentações, que a arte e suas modalidades estejam presentes em nossas rodas de amigos. Viva a vida! Um brinde à vida!
Ah, e não quero falar de Terrorismo!
Indicação
  • Livro para ler: Vestido de Noiva, de Nelson Rodriguesvestido de noiva
A história se passa em três planos de ação: o plano da realidade, o plano da alucinação e o plano da memória. A narrativa é fragmentada, simbolizando a confusão mental de Alaíde, que não se lembra o que houve com ela e nem por que está ali. Aos poucos, o que vai se desenrolando diante do leitor é uma trama tipicamente rodrigueana.


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